Trabalho forçado

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No início do século XX, a Grã-Bretanha organizou expedições ao Congo e, mais tarde, à Amazónia para investigar as formas de trabalho forçado que tinham substituído a escravatura, por exemplo, para extrair a borracha, como Mário Vargas Llosa tão bem descreveu no seu livro o Sonho do Celta. No Brasil, usava-se então a expressão leis "para inglês ver", significando que eram apenas no papel.

Tudo isto deveria ser uma história triste do passado, mas, infelizmente, não é isso que acontece. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que existam atualmente cerca de 27,6 milhões de trabalhadores em todo o mundo sujeitos a trabalho forçado, sendo 11,8 milhões de mulheres e 3,3 milhões de crianças. Na União Europeia, estimam-se 880 mil vítimas desde 2012.

De acordo com a definição da OIT, trabalho forçado é "todo o trabalho ou serviço que é exigido a qualquer indivíduo sob ameaça de qualquer castigo e para o qual o referido indivíduo não se tenha oferecido de livre vontade."

O abuso da vulnerabilidade do trabalhador, da sua dependência daquele trabalho, da sua impossibilidade de encontrar outro ou de se queixar de abusos, a retenção de documentos de identidade de migrantes ilegais, a violência física e sexual, o prolongamento ilegal das horas de trabalho ou o endividamento através de antecipação de salários que amarram o trabalhador ao empregador estão entre as formas de coação mais frequentes.

A maior percentagem (55%) dos trabalhadores forçados está na Ásia e Pacífico e os principais setores afetados são os da manufatura, construção, agricultura, trabalho doméstico e serviços, como transporte ou turismo.

Tal como já fizeram o Canadá e os EUA, a União Europeia está agora a discutir uma lei para proibir a importação e exportação de produtos feitos com recurso ao trabalho forçado em qualquer momento da cadeia de abastecimento.

Fazemo-lo em nome do combate à concorrência desleal que prejudica as empresas que cumprem com as suas obrigações, sejam elas europeias ou de outras partes do mundo, aquelas que remuneram os seus trabalhadores com o que é devido por lei, aquelas que respeitam os direitos humanos e os compromissos internacionais, em especial as normas da Organização Internacional do Trabalho.

Fazemo-lo em nome dos consumidores que não desejam comprar um casaco mais barato à custa de horas de trabalho forçado. Nem mesmo a transição enérgica pode ser acelerada à custa de painéis solares baratos, com forte suspeita de terem sido fabricados desse modo.

Fazemo-lo em nome de todos os trabalhadores sem direitos, mulheres e homens, novos e velhos, que são forcados a trabalhar. Mesmo que o mundo atual esteja demasiado centrado no interesse individual, no que se vê à nossa porta, espero que ainda nos reste um pingo de solidariedade e de intolerância para esta forma de exploração que configura o esclavagismo do século XXI.

Eurodeputada

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