Trabalhadores são contra TAP em mãos espanholas e querem Estado na empresa
"Estamos sempre abertos a ter grandes empresas, grandes marcas no nosso portefólio e, para ser honesto, queremos ver as condições da privatização da TAP, porque penso que seria algo interessante para nós", disse ontem, em Lisboa, o CEO do International Airlines Group (IAG).
Na véspera de serem conhecidas as condições de venda da companhia, Luís Gallego reiterou o interesse em fazer negócio com o Estado português e entrar no capital da TAP. O namoro do grupo - que detém a espanhola Ibéria e a British Airways - com a transportadora de bandeira portuguesa tem suscitado receios sobre o futuro.
Para os trabalhadores da empresa liderada por Luís Rodrigues, o desfecho positivo de um negócio com a IAG poderá trazer dissabores. "Há o risco do hub ser desviado para Madrid e de a TAP ser uma companhia de lançamento que os grupos compram para ocupar as nossas rotas que são muito lucrativas. O aeroporto de Madrid tem apenas ocupado um terço da sua capacidade total, é muito grande e com infraestruturas muito evoluídas. Está a 600 quilómetros de distância, é fácil transferir os voos de médio curso para lá. Está ainda a ser feita ferrovia de Madrid para Lisboa. São indícios que temos de salvaguardar", alerta o presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC).
Tiago Faria Lopes receia ainda o futuro dos direitos dos laborais. "Quando a IAG comprou a Air Europa tentou esmagar as condições de todos os trabalhadores, e chegou mesmo a haver uma greve marcada", relembra. Para o líder dos sindicatos dos pilotos é imperativo que o governo analise o historial dos futuros compradores da TAP e perceba qual a atuação feita no passado em contextos idênticos.
"Por vezes, a empresa que apresenta a melhor proposta em termos financeiros não significa que será a melhor para o país", defende o responsável, que pede que o cheque não seja o critério com maior peso no processo de decisão. Também o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (Sintac) teme que a IAG se aproveite da TAP. "A IAG pode ter interesse em ficar com o mercado da TAP. É fácil começarmos a pensar que vamos ficar sem hub , porque há interesse em que Madrid fique a controlar esta área geográfica", explica o líder da estrutura sindical, Pedro Figueiredo .
Já para o Sindicato dos Trabalhadores e Aviação (Sitava) a "IAG poderia ser logo excluída [da lista de candidatos]"pelos fatores de proximidade dos hubs e também pelos exemplos passados do grupo. "A British Airways, que não tinha dinheiro nem aviões, canibalizou a Ibéria, ficando com o dinheiro e com as aeronaves da companhia", diz, referindo-se ao processo de fusão das duas empresas em 2010.
O presidente do Sitava afasta também o casamento com a alemã Lufthansa . "A Lufthansa tornou todas as empresas que adquiriu menores e colocou-as a trabalhar ao seu serviço", aponta, defendendo que a franco holandesa Air France-KLM, também interessada na compra da TAP, "é a mais atrativa".
Cinco meses depois de o governo ter dado o tiro de partida para a reprivatização da TAP, será hoje aprovado, em Conselho de Ministros, o diploma que enquadra a venda da companhia. Depois de conhecido o caderno de encargos e as condições para a venda da empresa, os interessados na compra podem dar um passo em frente e apresentar propostas.
Um dos aspetos essenciais a saber respeita à fatia que o Estado está disposto a alienar. E o alvoroço instalou-se quando, na semana passada, António Costa abriu a porta à venda total da empresa. "Não vamos vender a um qualquer privado. Só iremos privatizar e vender parte, ou a totalidade do capital, tendo em conta a defesa dos interesses da companhia, de Portugal e dos portugueses", admitiu o primeiro-ministro na Assembleia da República, durante o debate parlamentar da moção de censura do Chega ao Governo.
As declarações não foram bem recebidas pelos trabalhadores da transportadora aérea que, apesar de reconhecerem os benefícios da privatização, defendem como vital presença do Estado no capital acionista para salvaguardar os interesses nacionais.
"Não nos opomos à privatização. Compreendemos que a TAP precise de ser privatizada para ter oportunidades mais internacionais e para que se possa expandir", indica Pedro Figueiredo. O sindicalista defende, ainda assim, "que o Estado deve ter um papel importante e decisório no futuro da companhia e não abster-se da sua visão estratégica", podendo comprometer a permanência do hub e a economia portuguesa.
"Não podemos admitir que o Estado se retire desta equação podendo estar a condenar a TAP no médio e longo prazo", acrescenta o porta-voz do Sintac.
Sobre o hub, o líder do pilotos sugere que exista um compromisso de o salvaguardar durante três décadas.
"Na anterior privatização o hub só estava assegurado por cinco anos, é primordial que seja assegurado pelo menos por 30 anos. O hub faz parte da independência económica e financeira do país, é uma questão de preocupação com a nação", sublinha. "Vender a totalidade da TAP é despropositado. Não é preciso inventar muito, basta olhar para as nossas congéneres, ver quais são as participações que os governos têm nas companhias e porque é que as têm. Basta copiar, não é preciso inventar", sugere Tiago Faria Lopes.
Já o Sitava é contra a privatização da TAP e critica o timing escolhido para ir ao mercado. "A empresa está a sair de um processo violento pós-covid, de recuperação, teve uma ajuda do Estado e as coisas estão a correr bem. Mas uma avaliação feita à empresa neste momento não será a mesma quando a empresa tiver totalmente recuperada. Esta é uma boa altura para comprar, mas não é uma boa altura para vender, faz-nos muita confusão como é que isto foi colocado na agenda", afirma Paulo Duarte.
O dirigente relembra os bons resultados e os lucros de 22,9 milhões de euros atingidos pela companhia no primeiro semestre deste ano."O dogma de que uma empresa pública não dá lucros e depois quando é privada dá está desmistificado. Esta administração tem feito um bom trabalho, a empresa teve lucros e vai ter resultados históricos este ano com uma gestão 100% pública. As coisas estão a correr bem, porque as pessoas estão satisfeitas e, numa altura destas, inverter este ciclo será um desastre", perspetiva.
Os elogios ao CEO da TAP são feitos em uníssono pelos vários sindicatos da empresa. Em pouco mais de cinco meses o ex-presidente executivo da SATA arrumou a casa e devolveu a paz social à companhia, após o período turbulento pautado pelas polémicas da comissão parlamentar de inquérito à TAP e da contestação dos trabalhadores, a propósito dos cortes salariais.
Devolver a paz social à companhia preparando-a para a venda aos novos donos era a principal missão de Luís Rodrigues. O líder da TAP acalmou as águas e, num silêncio mediático quase total, aliviou a imagem de uma empresa desgastada por meses de dissecação pública.
"O CEO tem sido aquilo que os trabalhadores esperavam: porta aberta, diálogo, confiança. A gestão tem corrido muito bem, com pouca interferência do governo nas decisões na empresa", elucida Paulo Duarte. Pedro Figueiredo destaca a independência "do poder político". Do lado dos pilotos, é gabada a "estratégia e planeamento", em conjunto com o braço-direito, Mário Chaves, que resultaram em números históricos para a companhia.
O também chairman da TAP está confiante no processo de privatização e, na véspera de ser aprovado o decreto-lei da venda da empresa pública, mostrou-se otimista.
"Amanhã [hoje] deverá ser um grande dia. (...) Acho que vai correr bem. Sou um grande defensor da privatização, não há dúvidas disso", assumiu ontem Luís Rodrigues durante uma intervenção no World Aviation Festival.
A aprovação do diploma que define as regras para a venda da TAP é o segundo passo do processo de privatização, que arrancou em abril, quando o Conselho de Ministros aprovou a resolução que mandatou a Parpública a avançar com a contratação das avaliações independentes à TAP, processo que ficou entregue à EY e ao Banco Finantia.
Será com base nestes documentos que o governo poderá definir o valor de venda da companhia aérea que deverá ficar abaixo dos 3,2 mil milhões de euros injetados pelo executivo socialista na TAP.