Torre do Tombo revela a 'Bíblia'

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A exibição dos valiosos volumes de A Bíblia dos Jerónimos na Torre do Tombo, até ao fim de Fevereiro, torna mais obrigatório conhecer um edifício que está perto de atingir a maioridade. Considerada uma obra-prima de iluminura europeia, a sua exposição pública só raramente tem acontecido entre nós. Além deste tesouro renascentista, o visitante poderá ver outra mostra - Genealogia e Heráldica, Fontes Documentais da Torre do Tombo para a História do Brasil -, ambas de entrada gratuita e a não perder.

Assim sendo, e de posse de duas razões mais do que válidas para conhecer o edifício projectado pelo arquitecto Arsénio Cordeiro, que se ergue na Alameda da Universidade, em Lisboa, poderá ainda aproveitar para realizar alguma investigação histórica e analisar um dos muitos milhões de documentos que estão guardados nos 80 quilómetros já ocupados com originais depositados em estantes e cofres nos vários pisos do Arquivo Nacional.

É essa a ocupação de centenas de pessoas que, semanalmente, frequentam o amplo salão de leitura, situado no primeiro andar da Torre do Tombo, para consultar documentos que só ali existem, muitas das quais sentam-se meses seguidos em busca do tema de eleição.

Antes de entrar na sala de leitura, o utente confronta-se com um edifício que exibe quatro grandes fachadas em betão, ao qual acede por uma escadaria. Reparará que a base do prédio alude à arquitectura das pirâmides egípcias e, no topo, quatro gárgulas representam alguns dos sentidos - tacto e visão -, o alfabeto, as escritas e os seus instrumentos e o pergaminho.

Entrando no átrio principal, surge uma primeira intervenção do arquitecto, especialmente criada para «intimidar» o visitante.

A particularidade consiste no rebaixamento do tecto, de forma a colocá-lo numa altura inferior ao resto de um piso onde existe ainda uma livraria, bengaleiro e o acesso ao auditório localizado na cave.

Segue-se uma escadaria que pretende significar a ascensão ao conhecimento, iluminada por uma clarabóia apoiada em traves que pretendem representar o cavername de uma caravela. As paredes que ladeiam os degraus são em pedra travertino, da região de Condeixa, numa alusão directa às muralhas do Castelo de S. Jorge - onde nasceu a Torre do Tombo.

E está o utente perante a recepção, que, após franqueada, lhe dará acesso ao património conservado, desde 1990, neste edifício e reunido ao longo de séculos, em anteriores torres do Tombo. Do seu lado direito existe a sala onde se encontra o ficheiro da documentação catalogada, para fazer o levantamento do que pode consultar; do esquerdo, o salão de leitura, onde lhe verá destinado um lugar, após efectuar a requisição do documento pretendido.

Será sentado conforme a importância do documento solicitado, se utiliza ou não um computador portátil e as vagas existentes nas secretárias. Aqueles que consultam textos de grande valor ficarão perto do balcão de atendimento, de forma a poderem estar sob o olhar atento dos funcionários. Evita-se assim a destruição, por descuido ou ignorância no manuseamento, de documentos originais e nem sempre existentes em suporte de microfilme.

Refira-se que uma pequena parte dos frequentadores do Arquivo Nacional são pessoas sem formação académica, que buscam origens familiares ou realizam estudos de genealogia, ou que efectuam pesquisas com o objectivo de escrever monografias sobre localidades. A maioria dos utentes, no entanto, enquadra-se num perfil definido estatisticamente como sendo do sexo masculino, entre 35 e 45 anos, com formação académica. As tendências de investigação são maioritariamente no âmbito da história medieval e moderna.

O que está proibido. O visitante tem apenas acesso a uma ínfima parcela de 40 mil metros quadrados da superfície construída e a três dos sete andares que compõem o edifício a cave, onde está o auditório, o piso da entrada, onde decorrem as exposições e se localiza a livraria e o andar onde se realizam as consultas, tudo localizado na metade virada para a frente.

Na outra metade, virada para trás, e nos quatro pisos superiores de depósitos, a entrada só é permitida aos 180 funcionários da Torre e algumas das divisões apenas a três pessoas. Exemplo desse acesso restrito é a casa-forte, onde se guardam os documentos mais valiosos, e da qual só o director e mais dois responsáveis pela área têm conhecimento do código secreto que abre as portas maciças. Estão aí o computador central e um dos sectores mais importantes da actividade da Torre, o do restauro do acervo, onde, ao longo de várias salas, profissionais recuperam documentos de danos causados pelo tempo.

Nos três últimos andares - de depósitos -, o silêncio é grandioso e o movimento de técnicos é rarefeito. Prateleiras, armários e cofres estendem-se a perder de vista, resguardando os documentos ao longo dos séculos. Podem-se encontrar aí vários volumes das chancelarias reais, forais, manuscritos.

É frequente a Torre do Tombo receber doações. Quando tal acontece, é marcado um contacto para avaliar a importância da documentação. Curiosamente, é normal que o estatuto de «doador» seja, no fim, mais o de vendedor. Que considera ter documentos imprescindíveis para refazer a História de Portugal.

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