Tony Blair ressuscita Terceira Via para salvar trabalhistas

Antigo primeiro-ministro acusa Jeremy Corbyn de seguir uma política que não passa de "uma mistura de fantasia e erro".
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O antigo primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, no poder entre 1997 e 2007, deixa em aberto o regresso à política ativa para libertar o partido que dirigiu desde 1994 até ao momento de deixar o governo, considerando que este está refém da "extrema-esquerda".

Hoje com 63 anos, Blair teme que o Reino Unido acabe vítima da "tragédia" resultante de ter sido colocado perante a escolha entre um partido trabalhista esquerdista e dirigido por um eurocético, Jeremy Corbyn, e os conservadores, igualmente eurocéticos, populistas e apostados em recuperar a soberania que afirmam ter sido capturada por Bruxelas.

Numa longa entrevista no mais recente número da edição britânica da revista Esquire, ontem posta à venda, o antigo governante trabalhista afirma-se "fortemente motivado" perante o panorama acima descrito e interroga-se: "Que posso exatamente eu fazer a partir daqui?" - deixando em aberto um cenário de regresso à vida política. Algo sublinhado na frase seguinte: "Esta é uma questão em aberto", mas admitiu não ter a certeza "se há um lugar" para ele.

Chegado à liderança do Labour na sequência da morte inesperada de John Smith - que iniciara um processo de recentragem do partido, à época dominado pelos sindicatos e infiltrado por grupos de extrema-esquerda -, Blair advogou a necessidade de "um Novo Labour e de Nova Vida" para o Reino Unido. O objetivo do novo programa era o de mostrar que o partido não estava refém dos sindicatos, era capaz de entender o lugar e a importância da economia do mercado e de reduzir o papel do Estado na sociedade, rompendo com os estereótipos da esquerda que, como insistiu à Esquire, está "presa aos anos 60". Para Blair, o atual líder trabalhista nada mais tem para oferecer aos britânicos do que "uma mistura de fantasia e erro".

A estratégia então adotada pelo Labour ficou conhecida sob a expressão Terceira Via e foi continuada sob a liderança do sucessor de Blair, Gordon Brown, que herdou a liderança do partido e do governo em 2007. Brown foi derrotado nas legislativas de 2010, tendo sido substituído por Ed Miliband. No entanto, especula-se que Brown, bastante ativo na campanha do sim à permanência na União Europeia no referendo de junho, não teria posto totalmente de parte a hipótese de voltar à liderança do partido. O que seria um obstáculo no caminho de Blair.

Uma mais-valia

Outro obstáculo possível às intenções de Blair é David Miliband, colaborador próximo daquele no passado e um dos autores do programa do partido nas legislativas de 1997, quando este último obteve uma vitória histórica, elegendo 418 dos 659 lugares da Câmara dos Comuns.

David é irmão do antecessor de Corbyn à frente do Labour, Ed Miliband, e foi ministro dos Negócios Estrangeiros no governo de Brown. enfrentou o irmão na corrida à liderança do partido em setembro de 2010, tendo perdido por escassa margem, 49,35% contra 50,65% para Ed. No ambiente de crise permanente e instabilidade que persiste no partido, David poderia surgir como alternativa credível para a liderança. Com a mais-valia de não ter o passado de Blair - nomeadamente no que respeita à segunda Guerra do Iraque, com o relatório de julho a acusá-lo de ter atuado de forma leviana e manipuladora, sendo sugerido em alguns setores que o então primeiro-ministro devia ser levado a julgamento.

Também em relação a Brown, David apresenta a vantagem de não surgir como mero sucessor de Blair e de não ter passado pelo revés eleitoral imposto ao primeiro. Finalmente, também não está associado à imagem da esquerda refém dos anos 60, como é o caso de Corbyn, adversário público das políticas de Blair e de Brown, quando estes foram chefes de governo.

Corbyn tem ainda o nome associado à saída do Reino Unido da UE, ainda que indiretamente, tendo sido acusado durante a campanha para o referendo de não se ter envolvido o suficiente para evitar a derrota do sim ao bloco europeu.

O estado em que se encontram os trabalhistas pode ser avaliado pela notícia divulgada ontem de que o seu líder procedeu a mais uma remodelação do governo-sombra do partido. Com as mudanças operadas ontem, os comentadores sublinharam que Corbyn reforçou a sua posição, trazendo aliados para as diferentes posições do governo-sombra. No mês passado, foi reeleito dirigente do partido numa conferência em que enfrentou um só opositor, Owen Smith. A vitória de Corbyn foi clara: 61,8% contra 38,2% para Smith.

O líder do Labour já foi alvo de voto de desconfiança da maioria dos deputados trabalhistas, na sequência dos resultados do referendo sobre a permanência na UE e diferentes membros do governo-sombra afastaram-se em desacordo com a sua atuação.

No plano económico, a libra voltou a cair ontem nos mercados, registando o mais baixo valor dos últimos 30 anos face ao dólar. Alguns analistas antecipam uma crise da divisa britânica, com os investidores a retirarem um volume importante de capital com receio das repercussões da saída do bloco europeu.

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