"Pressão para ir ao Mundial põe os atletas sobre brasas"
Cumpriram-se no sábado, dia 9, dez anos que os Lobos se estrearam no saudoso Mundial de França, única presença da seleção nacional de râguebi entre as potências da modalidade que, de quatro em quatro anos, se defrontam naquela que é a terceira competição do planeta (depois de Jogos Olímpicos e Mundial de futebol) que mais assistências atrai. O selecionador nacional de então, Tomaz Morais, recorda para o DN o que foi esse momento único e desvenda algumas das razões pelas quais o râguebi português vai marcando passo e não mais esteve presente nessa fabulosa montra internacional.
Depois de garantida a presença na prova na repescagem frente ao Uruguai, como foram vividos os cinco meses até ao início do Mundial?
Percebemos que para fazer um Mundial que nos honrasse tínhamos de planear bem e, acima de tudo, havia que mudar o paradigma do râguebi português. Acelerámos processos para fazer os atletas crescerem fisicamente, criámos programas de musculação, nutrição e descanso, com treinos bidiários e individuais. A Federação conseguiu finalmente remunerar os jogadores, libertando-os de alguns afazeres. Depois, os estágios feitos no monte do lobo Miguel Portela e na Escola de Fuzileiros, em Vale de Zebro, uniram muito o grupo. E acabámos com um excelente estágio no Browns, em Vilamoura, onde afinámos a equipa.
Mas isso exigiu muito dos atletas...
Era um conjunto de gente com enorme valor humano, todos excelentes pessoas e que permitiram construir uma equipa com grande compromisso entre todos. Para eles o râguebi estava à frente de tudo, era mesmo o mais importante. E nunca os prejudicou, pois lembro-me de os ver estudar para exames nos autocarros, aeroportos, balneários...
Que momento recorda como o mais marcante nesse Mundial?
O primeiro foi entrarmos eu, o meu adjunto Daniel Hourcade, o capitão Vasco Uva e o vice Joaquim Ferreira, na nossa primeira conferência de imprensa em França, poucos dias antes da estreia, e vermos dezenas e dezenas de jornalistas estrangeiros. Ficámos sem oxigénio. Era isto que queríamos quando apostámos em marcar presença no Mundial e na altura pensei: "Isto vai ser grandioso." Éramos olhados com alguma desconfiança pelo nosso estatuto de única equipa amadora mas senti sempre um enorme respeito. Esta conferência agarrou-nos muito, transmitiu-nos confiança.
Mas houve certamente mais momentos positivos...
Houve outro momento arrepiante que foi na viagem do hotel para o estádio de Saint-Étienne na tarde da estreia frente à Escócia. O silêncio no autocarro era impressionante. Íamos com batedores e deparámo-nos com um enorme cordão humano de portugueses que tinham vindo apoiar. E ao sair do autocarro ver tanta gente conhecida, amigos e familiares, que foram ali de propósito, marcou-nos muito. Foi algo extraordinário.
E o mais negativo?
Sem dúvida que foi o anúncio do quinze titular e dos suplentes na véspera da estreia com os escoceses. Era uma página histórica do nosso râguebi e quem fica de fora nunca percebe, nem eu quando era jogador... Confesso que dormi mal nessa noite. E, curiosamente, todos os que ficaram de fora quiseram fazer um exigente treino físico às oito da manhã no dia do jogo, dizendo que estavam prontos para os próximos!
E as quatro derrotas sofridas não foram um ponto negativo?
Faltou estrelinha à equipa. Diante da Itália estivemos muito tempo dentro do resultado mas eles, mais batidos, fizeram um ensaio do nada e num ápice passaram de 12-5 para 31-5. Contra a Roménia, na derrota por 14-10, já havia grande cansaço acumulado depois de três jogos intensos que deixaram marcas e a equipa foi-se abaixo. Aliás, fomos a seleção que menos descanso teve entre jogos, realizados em sítios distantes entre si: Saint-Étienne, Lyon, Paris e Toulouse.
O Mundial correspondeu portanto totalmente às suas expectativas?
Quisemos e conseguimos fazer um Mundial com um sistema de jogo puro e genuíno. A intenção foi sermos sempre competitivos e exceto na derrota com os romenos cumprimos todos os objetivos: marcar pelo menos um ensaio por jogo, não sofrer ensaios fáceis, aguentar nas mêlées e jogar o mais possível à mão.
Mas após esta bela experiência porque falhámos os Mundiais 2011 e 2015, e até a presença em 2019 está complicada?
Após 2007 montámos as academias com bons resultados - esta presença dos sub-20 no Mundial B é um bom exemplo - e melhorámos as infraestruturas de treino no Jamor. Falhámos 2011 por pouco, numa derrota na Rússia num terreno que era um autêntico batatal e com um ensaio mal anulado. Mas há uma excessiva pressão para Portugal ir ao Mundial, o que não é nada favorável. Somos demasiado amadores para toda essa pressão e os atletas jogam sobre brasas.
Mas não há outras razões?
A partir de determinada altura Federação e clubes começaram a desentender-se, não soubemos remar no mesmo sentido. Invejas e tricas de cariz pessoal acabaram com a via comum que vinha sendo traçada. Ainda por cima sabendo que o râguebi é uma "pequena aldeia gaulesa" no panorama das modalidades a lutar pela obtenção de patrocínios.
E o futuro como se apresenta?
Em 2016 voltei ao râguebi de clubes no Cascais e fiquei surpreendido com o nível de jogo. Mas falta organização ao nosso râguebi. Estivemos na época passada um mês sem árbitros! Devia ser criado um organismo à parte da Federação responsável pela organização das competições seniores. A Federação desgasta-se demasiado com isso. Mas sinto no clube a grande dificuldade que é, a partir dos 23 anos, conciliar a alta exigência do râguebi atual com profissão e estudos. Daqui a uns três anos não sei quantos dos sub-20 vice-campeões mundiais B vão ainda estar a jogar...
Mas constata-se que a modalidade perdeu visibilidade nos media...
É urgente regressarmos ao Championship, onde estão as melhores seleções europeias depois das Seis Nações. E, claro, voltar ao circuito mundial de sevens. Confesso que no dia em que saímos vieram-me as lágrimas aos olhos! Sei o que lutei para lá estar e como custou convencer as pessoas dessa aposta vital. E acho que deixámos de comunicar o bom do râguebi e começaram a surgir notícias que desvalorizaram a modalidade. E é fundamental ter uma boa organização das provas para conseguir atrair a televisão.