"Todos Querem o Mesmo": carros, miúdas e rock'n roll
Sequela espiritual. Com esta expressão tem fixado Richard Linklater, junto da imprensa, o seu mais recente filme, na peugada da obra de culto, Dazed and Confused, de 1993, que adotava o sonante tema dos Led Zeppelin para estampar a verdadeira essência da "juventude inconsciente" - como ficou traduzido no título em português. Sem inverter a lógica, o novo Todos Querem o Mesmo, no original Everybody Wants Some!!, regressa a esse jogo da referência musical (Van Halen) para assinalar, desde logo, e com a dupla pontuação, os vorazes apetites da rapaziada prestes a ingressar a faculdade.
Assim, se o primeiro filme encerrava a vibrante especificidade temporal do último dia de aulas do liceu, em maio de 1976, Todos Querem o Mesmo coloca o eixo narrativo na espuma dos dias antecedentes ao início da faculdade, no outono de 1980. Esta noção do tempo revela-se fundamental para compreender a génese de ambos os filmes, ou não fosse Dazed and Confused uma das melhores iconografias desses excessos juvenis dos anos 1970, e o novo título uma assumida busca mais autobiográfica por aqueles dias em estado bruto, de 1980 - só isso justifica o retorno de, 23 anos depois, a uma realidade que já tinha retratado. Mas há ainda um aspeto inseparável do tempo: o lugar.
[youtube:y6raUs0CiCQ]
Sendo uma voz incontornável da cultura cinematográfica de Austin, Texas, Linklater dá-nos um olhar centrado na cidade americana onde cresceu e da qual quis extrair a energia que referenciou a sua geração. Acima de uma preocupação temática, e nos antípodas de qualquer tipo de inclinação moralizante, repare-se que em causa está essa garantia de uma memória particular, que não procura as linhas rígidas de um enredo, mas a explosão de momentos.
E não é preciso ir longe para perceber este desígnio temporal que caracteriza a própria obra de Richard Linklater, do qual se encontra o modelo máximo no filme anterior, Boyhood: Momentos de Uma Vida (2014), ao acompanhar o crescimento de Ellar Coltrane, desde a infância à entrada na faculdade, ou na trilogia que juntou Julie Delpy e Ethan Hawke, espaçadamente no tempo, para adquirir as marcas "documentais", físicas e psicológicas, dessas mudanças.
Um mundo sem adultos
Todos Querem o Mesmo, à semelhança de Dazed and Confused, que lançou definitivamente jovens talentos como Matthew McConaughey ou Ben Affleck, preenche-se de rostos que têm aqui, alguns deles, a primeira oportunidade para demonstrar valor. A exceção é a atriz Zoey Deutch - a rapariga por quem se apaixona o novo membro do grupo de rapazes que protagoniza o filme - que tem vindo a marcar presença cada vez mais constante em produções cinematográficas.
Linklater, na representação deste universo desprovido da vigilância dos adultos, com todo o vocabulário característico dos ambientes em que a testosterona é elevada, uma sempre orgânica e ampla banda sonora (Blondie, Cheap Trick, Pink Floyd...), explora os ritmos da juventude masculina na sua total desordem. E é sobretudo isso que fica desta segunda abordagem, menos tangível que a primeira, porque a um certo naturalismo deu lugar o imperativo da comédia e da caricatura.