Todos os votos são iguais. Mas uns são mais iguais do que os outros
Há o chamado voto útil, de que vamos ouvir falar muito na próxima campanha. E há o voto desperdiçado, que não é antónimo de voto útil. O contrário de voto útil não é "voto inútil". Não há votos inúteis. Mas há votos desperdiçados, não por responsabilidade dos eleitores, mas por culpa de um sistema eleitoral do qual nunca se fala. E, quando se fala, é sempre em cima de eleições, altura em que estamos todos de acordo - não é o momento de alterar.
O sistema eleitoral favorece os grandes partidos e prejudica os pequenos. Talvez por isso, nunca tenha sido alterado e continue a ser mais um anacronismo da nossa democracia. É bom que todos tenhamos noção de que há milhares e milhares de votos desperdiçados em cada eleição legislativa. Ou seja, votos válidos, que entram nas urnas e são contados para os chamados "totais nacionais", mas que na prática não têm tradução em mandatos.
Regresso a 1987, para dar um exemplo com três décadas e meia. Nessas legislativas, o partido de Eanes, o PRD, teve 4,7% dos votos, que se traduziram em 7 mandatos. Na mesma eleição, o CDS conseguiu 4,4% dos votos e, com isto, quatro deputados. Ou seja, entre os dois partidos a diferença foi de pouco mais de 25 mil votos, mas o número de mandatos atribuídos é quase o dobro.
As listas são feitas por distrito e os votos são contados, também, por distrito. Nas últimas eleições, todos os votos do CDS nos distritos de Viana, Vila Real, Bragança, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja, Faro, Setúbal, Santarém, Leiria e Coimbra, Açores e Madeira não representaram a eleição de qualquer deputado. No caso da CDU e do BE, mais de metade dos distritos e das regiões autónomas também não contaram.
Na verdade, estas largas centenas de milhares de votos, não refletem mandatos e, portanto, são desperdiçados pelo sistema.
A questão é antiga, está à vista a deformação que causa e a distorção na representatividade de cada partido. Quando os votos não correspondem a mandatos, estamos a tirar a voz aos poucos que ainda decidem ir exercer o dever e o direito cívico.
Há várias formas de alterar o sistema, de modo a que se torne, de facto, mais justo, mais representativo e mais fiel à realidade. A primeira fórmula, e mais simples, é com um círculo único nacional, como acontece nas europeias. Uma lista única que represente o país inteiro, onde a percentagem de votos desperdiçados seria muito menor; outra maneira, é um cruzamento se círculos eleitorais distritais e um segundo círculo eleitoral nacional de compensação, onde os votos voltavam a contar para a eleição de deputados.
O método de Hondt já não serve para representar o eleitorado. Numa altura em que a abstenção cresce, em que se exige que eleitos e eleitores estejam mais próximos, em que é fundamental que o Parlamento represente de facto a sociedade civil na sua diversidade e pluralidade, a existência de um sistema que desperdiça votos não é aceitável.
Mas desconfio que, tão cedo, os partidos não se ocuparão deste tema. Que importa se há milhares de votos sem mandato?
Jornalista