"Todos os políticos polacos hoje dizem que são cristãos"
A vinda de Francisco à Jornada Mundial da Juventude trará tréguas à luta política na Polónia?
O que interessa é que a visita do Papa não pode ser vista como um passe de mágica. Claro que não haverá luta política enquanto estiver cá, e toda a gente virá vê-lo, mas isso dura cinco dias. Há quem espere que Francisco resolva os problemas, mas somos nós que temos de nos preparar para o fazer. Perguntarmo-nos o que queremos da visita. Alguém está à espera de uma surpresa? Alguém não conhece ainda os seus ensinamentos? Não sabe que fala de Misericórdia?
Espera que o Papa influencie como os polacos veem o mundo?
Sim, mas não necessariamente por vir aqui. Um aspeto da visita é o sociológico, o outro diz respeito à fé. Acredito que é Pedro que vem à Polónia, e através dele não só iremos presenciar grandes eventos como sentir a ação do espírito santo. O Papa irá pregar a mensagem e Deus abrirá o coração das pessoas. Mas preparar o evento é a parte fácil. Estamos preparados para fazer algo depois? Isto não tem só que ver com a política. Muitos padres dizem esperar o aumento das vocações depois, mas eu interrogo-me porquê? O Papa não faz magia.
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No fundo, toda a gente espera algo desta visita. Alguns políticos que o Papa os reconforte no seu caminho, outros que o Papa critique antes esse caminho?
Não vão ter o que querem. Quando muito, alguns vão recolher louros pelo mérito da organização.
A Igreja polaca está dividida entre conservadores e progressistas?
Esses termos têm vindo a mudar de significado. E por causa da mudança dos significados, há também mudança na natureza das diferenças. Se lermos Francisco, vemos que quando defende uma igreja aberta está a falar de Misericórdia. E se lembramos quando falou da Igreja como um hospital de campanha, rigorismo e laxismo não são misericordiosos. Não é misericordioso deixar as pessoas fazerem tudo o que querem. Ser misericordioso é assumir a responsabilidade por uma pessoa. Mas os ataques ao Papa costumam vir da ala direita. E há católicos a dizer que não percebem este Papa.
Isso acontece aqui na Polónia?
Com certeza. Há polacos que se dizem católicos mas admitem não perceber o que o Papa está a fazer.
Isso terá que ver com a comparação entre Francisco e os antecessores, sobretudo João Paulo II?
Graças a Deus todos são diferentes.
Sobre os refugiados, a Polónia tem sido reticente a recebê-los, e no entanto, Francisco apela a que se acolha os que fogem da guerra.
Todos os políticos na Polónia dizem hoje ser cristãos. E são contra receber migrantes em nome da defesa da cristandade. Ora, não há nada de cristão nessa atitude.
Argumentam que querem defender os valores católicos...
O melhor seria os católicos começarem a defender os valores católicos neles próprios. Para a Igreja só há uma forma de lidar com as outras religiões, seja o islão ou outra, e é o diálogo. Claro que há quem diga que não há forma de dialogar com o islão. Mas o que vale a nossa religião e a nossa tradição se tivermos medo de falar com os outros?
Esta recusa dos refugiados é importante para os polacos?
Temos de vê-la em três pontos: primeiro, é só teórica, porque não há nenhuma vaga de imigrantes a vir para a Polónia. E assim, discutindo teoria, mostramos a falta de valores cristãos no mundo da política; segundo, às vezes dentro da Igreja assumimos os argumentos dos políticos, quando devíamos estar a assumir os do evangelho. O terceiro ponto é que no caso em que os imigrantes não são teoria mas pessoas reais recebemo-los bem e não faltam exemplos de famílias de fora acolhidas na sociedade polaca.
Concorda com a tese de que nos momentos difíceis da história, quando o Estado polaco chegou a desaparecer, a Igreja era a nação?
Na Idade Média a Igreja antecedeu o Estado. Tivemos agora o 1050.º aniversário do batismo do primeiro rei e as pessoas perguntam se foi o nascimento da Polónia? Mas não. O Estado veio depois. Na época, não havia a União Europeia, mas havia a Cristandade. E as pessoas habituaram-se a pensar numa entidade que era comum, por isso no século XI havia um bispo alemão em Cracóvia e isso hoje é inimaginável. Depois tornámo-nos um Estado, mas a Polónia era uma mistura de nações e com a união com a Lituânia tornámo-nos um dos maiores países e tínhamos ortodoxos e muçulmanos no nosso território. Temos muçulmanos a viver na Polónia que estão cá há séculos.
Descendentes de tártaros?
Sim, tártaros. E desde o século XI temos judeus. Toda a gente sabia que a Polónia não era um Estado-nação mas multinacional.
Mas com rei católico e com polacos, católicos, como maioria?
Mas comparando o território então da Polónia para a Lituânia, era de um para seis. Isto era o que João Paulo II costumava chamar de tradição jaguelónica.
Do nome da grande dinastia.
Sim. E a tradição jaguelónica é de ser tolerante. Depois tivemos o século XVII, com 70 anos de guerra.
Contra russos, suecos e turcos.
Sim. É quando polaco passa a significar católico. Porque enfrentávamos os ortodoxos, os luteranos e os muçulmanos. Depois veio o colapso do Estado, entre 1795 e 1918.
Essa memória do Estado ausente mas a Igreja a preservar a nação polaca é importante?
Sim, porque se comparar o Iluminismo na Europa ocidental, verá que foi feito contra a Igreja. Por laicos. Mas não na Polónia. Todos os cientistas, filósofos ou artistas polacos do Iluminismo eram cristãos, às vezes padres. E até bispos.
E sobre o legado da oposição da Igreja ao regime pós-1945? Vale ainda em termos de influência?
Grande parte dos polacos não faz ideia do que era viver num país comunista. A Igreja era a única instituição independente do poder, e desde cientistas a artistas era com ela que vinham ter para poder estudar, fazer palestras ou expor. E ninguém perguntava sobre a fé.
Era um bastião de liberdade?
Sim. E era político, sem ser político. Hoje não há necessidade de a Igreja agir da mesma forma.
Separação do Estado e da Igreja?
Não, não temos essa separação na nossa Constituição. Falo de independência e de cooperação.
Em Cracóvia