A pandemia está a exacerbar as desigualdades já existentes entre homens e mulheres? Na saúde, na economia, na proteção social? Umberto Cattaneo - Antes da crise de covid-19, 1300 milhões, ou seja 45%, das mulheres no mundo estavam desempregadas, em comparação com dois mil milhões, ou 70%, de homens. Globalmente e em todas as regiões e classes sociais, as mulheres têm sido mais afetadas do que os homens pela perda de empregos. A nível global, os empregos que se perderam para as mulheres em 2020 foram 5%, contra 3,9% para os homens. Em números absolutos, a perda é maior para os homens (80 milhões) do que para as mulheres (64 milhões) devido à desigualdade de género que na participação de homens e mulheres na força de trabalho. Uma das razões porque o desemprego feminino foi mais afetado pela covid é que as mulheres trabalham mais em sectores que foram mais atingidos pela pandemia. A OIT traçou quatro sectores em alto risco de impacto pela covid em termos de perda de empregos e redução dos horários de trabalho: hotelaria e restauração; imobiliário, negócios e atividades administrativas; manufatura e venda a retalho. Globalmente, quase 510 milhões, ou 40% de todas as mulheres empregadas, trabalham em sectores fortemente atingidos. Em comparação com 36,6% dos homens empregados. Outra possível razão por que a covid penaliza mais as oportunidades das mulheres no mercado de trabalho é por estarem mais ligadas às responsabilidades domésticas e de prestação de cuidados. Antes da covid, 16,4 mil milhões de horas eram passadas em trabalho assistencial não pago no mundo, dois terços das quais eram da responsabilidade das mulheres. Dados da União Europeia mostram que durante a primeira vaga da pandemia as faltas ao trabalho foram maiores entre as mulheres do que entre os homens, sobretudo quando as escolas e infantários fecharam e passaram a funcionar online. A covid piorou ainda as condições de trabalho das mulheres que continuaram nos seus empregos presenciais, sobretudo as que trabalham nos serviços essenciais. A pandemia mostrou o quão vital é o trabalho de quem garante os serviços essenciais de saúde, quem assegura as comunicações e serviços públicos e os serviços de emergência. Só no sector da saúde e assistência social, estamos a falar de 136 milhões de trabalhadores. Destes, 96 milhões são mulheres, que estão em maioria na maior parte dos países. Durante a atual pandemia, as condições de trabalho dos trabalhadores da saúde, sobretudo dos que lidaram com doentes covid, deterioraram-se dramaticamente. Longuíssimos horários de trabalho em unidades de cuidados intensivos, falta de equipamento de proteção pessoal, falta de pessoal e ambientes com recursos escassos juntam-se ao intenso stress emocional, expondo os trabalhadores da saúde a mais altos riscos de infeção e transmissão. Ao mesmo tempo, o seu isolamento forçada longe de casa - para conter o risco de contágio dos familiares - gerou mais stress, sobretudo para as mães solteiras..Os confinamentos um pouco por todo o mundo aumentaram a violência contra as mulheres? Umberto Cattaneo - Relatos de vários países dão conta de que, com os confinamentos, a incidência da violência doméstica aumentou desde o início da pandemia. Por isso podemos acreditar que nas atuais circunstâncias, o teletrabalho pode estar associado ao aumento da violência doméstica sobre os trabalhadores. A pressão financeira, a ansiedade quanto ao futuro e o afastamento das redes de apoio familiar também aumentaram fatores já existentes. E se a violência doméstica afeta sobretudo as mulheres, os homens também podem ser vítimas deste flagelo..A trabalho igual, salário igual é uma longa batalha. Para quando podemos esperar que se torne uma realidade? Martin Oelz - O progresso para se chegar à igualdade tem sido lento, mas constante nas últimas décadas. Enfrentamos agora o risco de, devido à pandemia, esse progresso se reverter. De muitas formas, a pandemia tornou visíveis os obstáculos persistentes que continuam a existir para se chegar à igualdade de género no trabalho, inclusive salários iguais para trabalho igual. Para haver uma mudança verdadeiramente transformadora, as medidas tomadas e políticas seguidas têm de ser mais abrangentes e integradas. Uma agenda transformadora teria de combinar uma aposta em acabar com a segregação profissional, com a desvalorização dos empregos predominantemente femininos, em garantir a paridade de género nas posições de liderança, em políticas adequadas para trabalhadores com responsabilidades familiares incluindo prestação de cuidados, e na eliminação da violência e do assédio no trabalho..Qual é a solução para uma maior igualdade de género - começa nas escolas? Martin Oelz - A igualdade de género é um problema de todos: começa na família e na comunidade, as escolas e a educação têm um papel importante também, claro. O mundo do trabalho é onde as pessoas passam grande parte das suas vidas - por isso promover a igualdade de género no trabalho é também um ponto essencial para mudar a sociedade como um todo. Não podemos esperar que a sociedade tenha mudado e que isso também crie mais igualdade e trabalho. Autoridades governamentais, sindicatos e patrões podem, e muitas vezes fazem-no, trabalhar de mãos dadas para promover a igualdade e diversidade no trabalho..Temos estado sobretudo a falar de problemas do primeiro mundo. Mas em muitos países, as mulheres enfrentam problemas ainda mais profundos - casamentos infantis forçados, mutilação genital feminina, mas também direitos de herança desiguais, etc. Quando os direitos das mulheres chocam com tradições culturais, o que pode ser feito para mudar as coisas? Martin Oelz - Acabar com a discriminação e contra a violência de género são questões relevantes para todos os países e sociedades. A igualdade no trabalho é um princípio e um direito fundamental, e são necessários esforços constantes para a promover e aplicar em todo o mundo. Os direitos humanos reforçam-se mutuamente - aplicar este princípio à igualdade no trabalho é de facto importante. Por exemplo, onde há igualdade de género no que se refere à propriedade, herança e direitos sobre a terra, onde as mulheres têm acesso igual à educação a todos os níveis e onde a liberdade de associação e o direito à negociação são protegidos, a igualdade de género no mundo do trabalho chegará primeiro..Dia 8 de Março é o Dia da Mulher. Porque é importante assinalar esta data? Martin Oelz - Todos os dias são dia de agir pela igualdade de género, e precisamos do empenho de todos. Este não é "um problema das mulheres que tem de ser resolvido pelas mulheres". O Dia Internacional da Mulher é uma ocasião para celebrar os feitos das mulheres e apoiar a sua liderança, mas também para mobilizar e também para nos lembrarmos que é um problema de todos. Este ano prestamos homenagem a muitas mulheres na linha da frente da luta contra a covid. Mas ao mesmo tempo o Dia da Mulher é um alerta de que a igualdade de género não pode ser um pensamento secundário ou um acrescento em termos de novas políticas. À medida que vão sendo traçadas estratégias e planos de recuperação para a covid-19, a igualdade de género devia ser um objetivo desde o início. Por exemplo, quando as condições para o teletrabalho forem revistas e melhoradas, será que vão ter em consideração a situação dos trabalhadores com famílias a cargo?