Todas as rubricas que integram um jornal têm de ser cuidadas
Zavial é uma praia do Barlavento algarvio, entre Lagos e Sagres. Ou por outra, são duas praias: quando a conheci, no seu lado oriental existia uma enorme e acolhedora gruta - não sei se estará atualmente interdita, após os trágicos desmoronamentos de arribas no Algarve - que forma uma praia autónoma na maré cheia, separando-se da outra parte, bem mais extensa.
Nos finais dos anos setenta, havia um código tácito: o areal era para os têxteis, a gruta, abrigada das vistas de mirones, para os nudistas, também ditos naturistas. Um casal amigo frequentava esta, levando para lá dois filhos pequenos. Era necessária uma precaução: conhecer o horário das marés, para lá chegar na baixa-mar e ali ficar até à maré vaza seguinte para poder sair. Para quem levava crianças consigo era impensável fazer o trajeto a nado, contornando as rochas separadoras das duas praias.
Um dia, esteve quase para acontecer uma desgraça: a baixa-mar nunca mais chegava e já se fazia tarde. Que se tinha passado? Simplesmente isto: o meu amigo confiou no seu jornal de sempre - e este havia repetido o boletim de marés da véspera. Devem ter-se passado anos antes de o meu amigo voltar a comprar aquele jornal...
Quando entrei na profissão, no jornal A Capital, um amigo gabou-me a sorte: "É o meu jornal." Eu não o fazia grande leitor de jornais. "É o único que no cartaz dos cinemas traz o nome do realizador e dos principais atores."
Eis aqui razões para se ler ou deixar de ler um jornal. Tão importantes ou eficazes como aderir por causa de um colunista ou rejeitar em virtude de uma notícia falsa. Da primeira à última página, tudo aquilo que o jornal serve tem de ser cuidado. Diria mais: há que ter especial cuidado com aquilo que pode ser menos procurado pelos leitores. É que, neste caso, aqueles que vão em busca desse serviço são mais atentos e exigentes.
Tudo isto para vos dar conta de uma carta que o leitor João José Agostinho me enviou: "Sei que é provedor dos leitores e não dos passatempistas, no entanto, e por acumular, atrevo-me, mesmo assim, a escrever-lhe apenas e só para desabafar, pois provavelmente haverá muitas outras reclamações que considere mais pertinentes e interessantes. Paciência, se cair em saco roto, eu pelo menos fico aliviado.
"Um jornal de respeito, que respeita quem o compra, de referência como sói dizer-se, agora, no jargão do meio, deve ter por referência primeira a qualidade de todas as suas secções.
"Eu, por exemplo, religiosamente, começo pelo Ferreira Fernandes, sigo para a tira do Bandeira, sim, eu começo a ler pela última página, vou mais à frente ler o colunista de serviço e o editorial, e em seguida e, antes da leitura do resto, gosto de fazer os passatempos.
"Alguém disse que passatempo era a definição perfeita de perda de tempo: não concordo. Um problema, bem elaborado e melhor resolvido, dá--nos força para outros voos. É uma pausa relaxante que nos pode levar a carrilar para coisas mais substanciais. Mas é então que a porca torce o rabo.
"Ando há tempos a adiar esta missiva, compro o jornal há dezenas de anos, mas agora esgotou-se o prazo e a paciência. O DN não pode, e que me desculpe o responsável pela secção, ter palavras cruzadas tão más, feitas, obviamente, em cima de um qualquer joelho, sem classe, com repetição de palavras, sinónimos manhosos, enfim uma desgraça. O sudoku consegue, normalmente a proeza fantástica de ter duas soluções! Mas isso ainda não é nada quando comparado com o meu preferido, os números cruzados.
"Aqui é mais grave pois não me parece admissível que se repitam problemas na mesma semana ou até no dia seguinte. [...] Admito que se possa eventualmente repetir passado um tempo razoável, mas no dia seguinte!? Por favor, um pouco mais de cuidado e, repito, respeito, que é o que distingue os jornais e os permite classificar de bons ou maus.
"Felizmente posso, também, ler a concorrência, e Sr. Provedor, se um dia - e ela está aí, crise oblige - tiver de optar, vou escolher a concorrência, (que me perdoem os FF, os BB, as FC, os VGM e tantos outros), pois não faz passatempos sem qualidade, tem cuidado com eles, fazem parte do projeto."
Pedi esclarecimentos à Direção do DN e recebi a seguinte resposta do subdiretor Pedro Tadeu: "Esta é a primeira reclamação que recebemos sobre esta matéria. Sobre a qualidade genérica dos passatempos parece-me ser injusta a apreciação do leitor, pois eles são os mesmos há já vários anos e nunca fomos confrontados com essa crítica, que nos surpreende. Iremos, de qualquer modo, reanalisar a linha editorial deste conteúdo para ponderar se, do ponto de vista conceptual, há algo a rever. Em contrapartida, o leitor tem toda a razão sobre as repetições que regista. Esperemos que sejam exceções e não regra. Vamos alertar os responsáveis por esta edição para melhorar o sistema de controlo e publicação destes passatempos e fazer diminuir este tipo de ocorrências."
A carta do leitor foi-me enviada em maio e apenas agora a trago à colação porque quis verificar, eu próprio, da pertinência da queixa. Confesso que não tenho competência nem destreza mental para certos problemas da página de passatempos e apenas me fixei no xadrez, tendo observado repetições ou, pior do que isso, inadequação do diagrama ao enunciado e solução do problema. Isto já depois da promessa da Direção em estar atenta ao assunto. Alguma coisa tem de ser feita, em defesa do serviço ao leitor.
Fica, por outro lado, um convite aos leitores que gostam das páginas de passatempos - os passatempistas, como definiu o leitor João Agostinho - para que me ponham ao corrente das suas opiniões quanto à qualidade e rigor daqueles que encontram no DN. Com isto, deixo aqui consignado que as páginas de passatempos não são assunto menor - insisto em que não há assuntos menores num jornal - e o provedor do leitor não desce de nenhum pedestal quando aborda estes temas.