"Tive de ir a correr tirar a licença desportiva para o Dakar"

Carlos Sousa vai regressar à competição no Dakar 2018, dois anos depois de colocar um ponto final na carreira. O piloto português vai conduzir um Dacia Duster no mediático rali e explica ao DN como vai lidar com as expectativas de terminar no top-10.
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Então não estava reformado?

Há dois meses tinha sérias dúvidas se deveria ou não retornar à competição. Depois de a Renault me convidar fui falando com a minha família, os meus filhos, a minha namorada, alguns amigos e as respostas que tive não foram as que estava à procura. Ninguém me disse "não vás, não faças isso", nem a minha filha que tem nove anos ...

Mas que tipo de respostas estava à espera? Algo do género: "Estás maluco? Agora vais-te meter nisso outra vez? Não te chegaram os 16 Dakar que fizeste?"

(gargalhada) Por aí. Eu procurava um argumento válido para não ir, algo concreto e inspirado, mas não encontrei. Toda a gente dizia, "claro! já amanhã..." E por isso não consegui recusar o convite para conduzir um Dacia Duster da Renault Sport Argentina.

Como é que o convenceram?

Houve um argumento que me fez sentir desejado. Quando me abordaram fiquei indeciso, estava 50/50... Não me tirava o sono dizer que não ao Dakar, mas houve uma coisa que me tocou. Foi quando eu disse à Renault "não se prendam por mim, se quiserem ver outras opções, porque eu não estou convicto que posso fazer o Dakar", e eles responderam: "não, Carlos, nós queremos mesmo que sejas tu. Se disseres que não então procuramos outro piloto". E isso pesou na minha decisão.

Isso deve ter feito muito bem ao ego, não competir há dois anos e receber esse voto de confiança...

Sim. Ajuda a dar confiança sem dúvida. Todos nós gostamos de ver o nosso trabalho reconhecido, saber que somos bons em alguma coisa. O facto de termos um número tão baixo no dorsal também é um reconhecimento por parte da organização.

E já se mentalizou de que vai mesmo voltar ao Dakar ou ainda está nas nuvens?

Tem sido um reboliço de emoções e vai ser assim até ao Dakar. Falta um mês para começar...Tive de ir a correr tirar a licença desportiva para ir ao Dakar...

Mas já não estava válida?

A licença é anual e eu em 2016 tirei para correr o Dakar e depois não a usei mais. Este ano não a tirei e por isso tive de ir tirar a de 2018 para correr o Dakar. Faz parte da rotina, tal como os exames médicos. Felizmente não tive de repetir o exame de condução, eles acreditaram nas minhas capacidades (risos).

O que sabe do carro, nesta altura? Vai ser receber a chave e ir para o rali?

Quase nada, mas não é o primeiro ano que isto me acontece. Tive o convite não chega a dois meses e vou estrear o carro na próxima semana. Espero que assim que me sentar no carro seja como se nunca tivesse parado e espero tratá-lo por tu ao fim de três ou quatro dias (risos). É engraçado, há muito anos que eu não sentia este nervoso miudinho, como se nunca tivesse feito um Rali Dakar. Quando competimos ininterruptamente perdemos um pouco o sabor e a noção do momento, passa a ser mecânico, e quando nos afastamos sentimos falta, damos mais valor e queremos voltar a sentir esta noçãozinha que não me deixa pensar noutra coisa, o nervoso miudinho do não saber com o que contar, a incerteza do como será.

E como será?

Não sei. Não conheço muito dos adversários, os carros tiveram algumas alterações, a nível do regulamento técnico, que eu ainda não sei ao pormenor. Vou novamente com um navegador francês, o Pascal Maimon (vencedor do Dakar 2002 ao lado de Hiroshi Masuoka), e por isso também tenho de me adaptar a um navegador que fala outra língua, mas penso que não haverá problemas. O Pascal e eu conhecemo-nos há anos, temos um amor em comum, a náutica, e ele sempre dizia que um dia haveríamos de correr juntos. E quando se soube que eu ia voltar, ele foi a primeira pessoa do meio a ligar e dar os parabéns. Depois disse "eu quero ir contigo". Eu nem pensei duas vezes e disse "vamos embora".

Será este o verdadeiro teste às suas capacidades como piloto?

Não creio, não se trata disso. Não é um mundo totalmente novo. Eu devo ser um dos pilotos a nível mundial que mais marcas conduziu no Dakar. A competição também não é nova, o regulamento mudou mas também não é o fim do mundo, eu é que já tinha interiorizado que provavelmente não voltava a competir. Eu não calçava umas luvas ou umas botas de competição desde janeiro de 2016. Houve muitas provas e alguns convites, mas nada me puxou para fora da minha zona de conforto e agora sim. Talvez por o Dakar não ser uma prova qualquer, talvez por ser a emblemática edição 40 e o meu 17.º rali...

Como se vai preparar? Quase não dá para treinar e depois há a questão da altitude...

As equipas grandes é que treinam essa coisa da altitude, eu nunca utilizei tendas de hipoxia. Não gosto nada de altitude, fico com dor de cabeça e alguns enjoos, mas tenho-me aguentado e espero que este ano seja igual. Quando entras no carro não sentes tanto. Os locais dizem que mascar folhas de coca ajuda, mas a verdade é que não faço a mínima ideia, nunca o fiz porque sempre consegui passar bem.

E isso não acusa no controlo antidoping?

(Gargalhada) Não sei, mas existem controlos a três/quatro pilotos por dia.

Como vai ser este Dakar2018?

Vai ser um rali muito competitivo. Há 12 candidatos aos cinco primeiros lugares e depois há uns 20/25 carros candidatos ao top-10. É como meter o Rossio na rua da Betesga, para usar uma analogia que mostra bem como vai ser competitivo. Acho que vai ser uma prova difícil, mas muito interessante de seguir e com muitas especiais em areia, com muitas dunas, que fazem lembrar o Dakar africano.

O Carlos Sousa vai para participar ou vai querer algo mais?

Essa é a pergunta à qual eu não consigo responder já. Tenho de perceber a que nível competitivo eu estou, a que nível está o carro e a minha equipa e sentir como estão os adversários. A equipa gostaria de terminar no top-10, mas para mim é uma incógnita muito grande. Os favoritos são os Peugeot, depois vai haver uma luta grande pelo pódio entre a Toyota e a Mini e depois há os outsiders como nós, que podem sonhar abaixo disso. Daí o objetivo, que não é modesto, de terminar no top-10.

Já sabe que vai ter a companhia de André Vilas-Boas na prova...?

Fico feliz por ele. No Dakar há pilotos profissionais e men drivers, que cumprem um sonho de uma vida. Há muitos, ele não é o único nem será o último. Eu penso que o André Villas-Boas não vai atrás de mediatismo, mas sim atrás de um sonho pessoal. Eu, por exemplo sou um apaixonado pela náutica e gostava de fazer uma Volvo Ocean Race. É uma realização pessoal que não vai tirar qualquer mediatismo ou importância a algum piloto.

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