Tirou o PAICV do poder e quer governar o país à imagem da Praia
Quer usar a sua experiência de gestor e de autarca para dar confiança à economia de Cabo Verde, aplicando o mesmo modelo de governação que usou na Praia, a capital, durante dois mandatos. "Governar só por governar, para manter o poder, não dá resultados", garantiu Ulisses Correia e Silva em entrevista à Lusa pouco antes de o seu Movimento para a Democracia (MpD) ter ganho com maioria absoluta as legislativas de 20 de março.
A sua tomada de posse foi marcada pelo presidente Jorge Carlos Fonseca para o próximo dia 22 de abril. Mas a transição entre José Maria Neves, o ainda primeiro-ministro, e Ulisses Correia e Silva está a ser marcada por uma troca de acusações.
Neves insurgiu-se há dias contra o que considera "ameaças de revanchismo" do primeiro-ministro eleito, que tem afirmado publicamente a intenção de revogar várias decisões do atual governo.
Numa publicação com o título "Tempos ainda de campanha ou as coisas começam mal?" na sua página pessoal no Facebook, José Maria Neves reconheceu "toda a legitimidade" ao novo governo para "reanalisar decisões do anterior executivo", mas condenou o anúncio público antecipado dessas intenções.
Nascido a 4 de junho de 1962 na Praia, José Ulisses de Pina Correia e Silva estudou no histórico Liceu Domingos Ramos, na capital cabo-verdiana, e é licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, curso que terminou em 1988.
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Grande parte da sua vida profissional, entre 1989 e 1994, foi feita no setor bancário, tendo mesmo chegado a diretor do departamento de administração do Banco de Cabo Verde. Mas também no ensino: entre 2002 e 2007, foi professor na Universidade Jean Piaget, na Praia, tendo lecionado Gestão Orçamental, Estratégia Empresarial e Economia de Empresa.
Paralelamente, ia fazendo uma carreira na política. Em 1995, chegou ao governo, liderado por Carlos Veiga (MpD), tendo sido secretário de Estado das Finanças (até 1998) e depois ministro, na mesma pasta (1999 a 2001). Foi sob a tutela de Ulisses Correia e Silva que o valor do escudo cabo-verdiano passou a estar indexado ao euro.
Depois da vitória do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV) nas legislativas de 14 de janeiro de 2001, e que deu início aos 15 anos de José Maria Neves à frente do governo, foi eleito deputado. Ulisses Correia e Silva chegou, entre 2006 e 2008, a líder parlamentar do MpD, ao mesmo tempo que subia a vice-presidente do então maior partido da oposição.
Foi precisamente em 2008 que começou uma marcante fase da carreira política do agora primeiro--ministro, ao candidatar-se, com sucesso, a presidente da câmara da capital. O seu slogan de campanha era "Praia tem solução".
40 dos 72 deputados
Quando se candidatou às legislativas cumpria o seu segundo mandato como autarca da Praia, que conquistou "com a mais expressiva vitória de sempre numas eleições autárquicas no maior concelho do país", pode ler-se no seu site oficial.
Há três anos chegou a líder do MpD, abrindo caminho para a sua candidatura a primeiro-ministro nestas legislativas, que ganhou no dia 20 com 53,5% dos votos, o equivalente a 40 dos 72 deputados.
Para o analista político cabo-verdiano João de Deus Carvalho, a campanha de Ulisses "foi muito bem elaborada" e transmitiu uma "mensagem muito forte" centrada não na pessoa ou no partido, mas nos ideais nacionais. À Lusa, este especialista referiu como ponto positivo o "grande trabalho" que fez na autarquia da Praia.
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E é com base no que fez na câmara da capital que Ulisses pretende governar o país. Nesse sentido, na campanha prometeu, em entrevista à Lusa, que caso saísse vitorioso iria despartidarizar a administração pública de Cabo Verde, dando prioridade à meritocracia. "O sistema está montado para um partido se sobrepor ao Estado. É uma evidência. Não são as pessoas. O problema não está no povo, está nas lideranças", afirmou Ulisses Correia e Silva.
Quanto a Portugal, o novo primeiro-ministro quer "descomplexar a 100%" a relação entre os dois países. "A nova geração tem de ser descomplexada relativamente a estes problemas entre aquele que colonizou e aquele que foi colonizado. Isto é história, é passado, registado, mas não deve ser objeto de combates", declarou. Na opinião do líder do MpD, Portugal tem de ser ainda encarado como "a porta de entrada" na União Europeia, na qual Cabo Verde quer "ter um papel também mais visível".