TINTORETTO FOI DOADO POR CAVALEIRO TEMPLÁRIO
O quadro doado ao Mosteiro de Singeverga, em Santo Tirso, que especialistas atribuem ao pintor veneziano do século XVI Tintoretto, esteve na posse de uma família portuense por muitas dezenas de anos.
O seu proprietário, Jaime Pinho, um empresário do Norte e gestor de empresas nacionais no sector da navegação - administrador, entre outras, no seu tempo, da Companhia Colonial de Navegação e da Soponata -, casou-se em 1935 com Ana Cabral. Eram ambos católicos, e conhecedores do significado e da qualidade da pintura que possuíam e que conservaram durante boa parte do século XX.
Ignora-se como e quando esta tela a óleo de grandes dimensões chegou a Portugal, pondo-se a hipótese de ter sido transaccionada durante o período instável das duas grandes guerras, ou da Guerra Civil Espanhola, na passagem de emigrantes estrangeiros de várias proveniências que necessitavam de liquidez para atingirem os Estados Unidos e outras paragens, ou mesmo de membros de casas reinantes europeias no exílio com quem Ana e Jaime Pinho mantiveram relações.
Ainda em vida, Jaime Pinho expressa o desejo de que a pintura a óleo da Adoração dos Magos vá para a Ordem dos Beneditinos. Vontade essa que se repete no testamento da esposa, falecida bastante mais tarde: a pequena comunidade dos monges de Singeverga deveria ficar com a obra de arte veneziana.
"Peça digna de museu"
O seu sobrinho Carlos, que deu cumprimento à vontade dos tios, numa cerimónia discreta realizada no mosteiro minhoto, recorda o tio ao dizer: "Esta é uma peça digna dos melhores museus. A seu tempo irá para o lugar certo..."
Cavaleiro da Ordem do Santo Sepulcro, Jaime Pinho professava os valores templários ligados à nacionalidade e daí a grande ligação ao mosteiro.
Além da amizade que nutriam pelo abade de Singeverga da altura, o empresário nortenho e a sua mulher possuíam perto do mosteiro uma casa senhorial de família, originária do século XVI, com capela semipública, a Casa da Bouça, onde os monges beneditinos celebravam anualmente entre 1 e 3 de Novembro cerimónias religiosas em memória de familiares desaparecidos e diziam semanalmente a missa dominical.
O interesse pela autoria do quadro surge quando o sobrinho Carlos vem mais tarde a Lisboa à casa da Lapa, onde residira e vivera com os tios como solteiro e primeiros tempos de casado e revê - com a sua primeira mulher, entretanto falecida - a tela destinada ao Mosteiro de Singeverga.
"Enviou documentos para Londres, que fez deslocar a Portugal um especialista da leiloeira Sotheby's, que foi, aliás, a primeira pessoa a pronunciar-se com mais consistência sobre a autoria do quadro, atribuindo-o a Tintoretto", revela ao DN Ana Maria, actual esposa de Carlos Pinho.
Amigos ajudaram
Recentemente, deslocaram-se ambos a Veneza, após o historiador de arte Vítor Serrão ter declarado tratar-se de um Tintoretto, para verem in loco a igreja do Santo Spirito, onde se supunha estar a origem da tela, mas concluíram que esta já não existia como tal desde o remoto século XVIII, altura em que o seu recheio fora deslocado e vendido.
"O quadro tinha de chegar a Singeverga depois destes anos", explica Ana Maria ao DN. Ela acompanhou as etapas e obstáculos para que se cumprisse a vontade de Ana e Jaime Pinho. "Os custos do transporte foram suportados pela Fundação Fernando Pessoa e a título individual pelo engenheiro Nuno Cardoso [antigo presidente da Câmara Municipal do Porto] e o sobrinho Carlos. O seguro da tela foi patrocinado pela Companhia de Seguros Lusitânia".
A transportadora do quadro foi escolhida a dedo, que o retirou da casa da Lapa, com a ajuda de um guindaste e trânsito parado, como se se tratasse de uma casca de ovo.
O quadro chegou ao Mosteiro de Singeverga em 2003, onde ficou embrulhado durante dois anos, enquanto esperava que a igreja dos monges sofresse beneficiações, com um espaço nobre para expor a grande tela a óleo.
Da casa da Lapa em Lisboa até ao mosteiro rural de Santo Tirso, um grupo de pessoas foi tomando conhecimento da existência deste quadro antigo, mas nenhuma delas o revelou publicamente.
Tratou-se de um segredo? "Não, não foi um segredo, mas não podíamos ser nós, nem a comunidade religiosa, a divulgar. Esta é uma obra de arte com muita força que ganha alma e uma vontade própria. Digamos que o quadro estava à espera... para ser divulgado", conclui Ana Maria.|