Em tempos de conferências de imprensa virtuais vamos até Londres com um clique num botão do Zoom. Foi isso que a Warner proporcionou a um leque selecionado de jornalistas. Num cenário com decoração à Paul King, tivemos o próprio homem que confecionou Wonka e as suas estrelas: um Timothée Chalamet sempre "fashionista", uma Olivia Colman de cabelo curto com aquele sorriso de mil afetos e Hugh Grant com o habitual ar blasé misturado com alguma sobriedade britânica. Estão a promover o musical que é um dos grandes presentes de natal deste ano. A história de como o chocolateiro Willy Wonka começou a sua vida profissional numa cidade de feroz concorrência e em que era proibido sonhar acordado...."Estava enamorado pelo cinema de Paul King, amo os dois Paddington! Depois, claro, era muito tentador ser Wonka. Mal terminei de ler as cinco primeiras páginas do guião percebi todo o grau de inteligência desta escrita. Gosto muito desta versão de como este rapaz se torna no Willy Wonka que todos conhecem", começa por dizer Timothée Chalamet, ator que dá uma pureza e graça à personagem, capaz de tirar o tapete ao mais cínico. Um ator que canta, dança e encanta, provando uma versatilidade que é rara em Hollywood. Quem quiser pontos de encontro com o Wonka de Johnny Depp em Charlie e a Fábrica de Chocolate, o filme de Johnny Depp que lidava com o imaginário de Roald Dahl, talvez vá ao engano..De todos os vilões do filme, a personagem da senhora cruel Mrs. Scrubitt é a que se destaca mais. Não é por acaso, Paul King foi buscar uma Olivia Colman em modo espampanante: "é muito divertido ser vilã! Soube logo que este trabalho iria ser uma diversão! Queria muito trabalhar com o Paul - sou muito fã dos Paddington, já para não falar que sou uma entusiasta do Timmy [Chalamet]. Diverti-me mesmo todos os dias!", garante a atriz britânica. Paul King, ao seu lado, brinca: "mesmo assim, foi horrível"..Meio a brincar, meio a sério, Hugh Grant diz que o processo de o tornar num homem minúsculo Oompa Loompa de cabelo verde foi miserável: "queixei-me tanto, era tão desconfortável. Um processo incompreensível, com câmaras em todo o meu corpo e sempre amarrado! 17 câmaras diferentes e eu sem nunca saber onde estava, como ficava, etc... Não percebi patavina do que estava a fazer, embora tenha dado o meu melhor. Dois meses depois chamam-me para voltar a fazer tudo e assim continuamente durante dois anos. Pior era impossível. Sinceramente, não sei se aquilo ali é o meu trabalho ou se é dos efeitos visuais. Se depois de ver o resultado fico feliz? Bem, não totalmente"..A frase provoca gargalhadas ao realizador e a Chalamet: Hugh Grant está numa fase de humor ácido, na vida e no grande ecrã. Logo de seguida mais queixinhas: "estava com essas 17 câmaras sob o meu rosto e depois não percebia se era suposto representar com o resto do meu corpo! Claro que fiz porcaria e essa função foi toda feita pelos efeitos visuais. Acredito até que cantar e dançar seria divertido... Minha nossa, isto é tudo tão confuso". "Mas lembro-me que trabalhaste tanto nas danças, querias saber os movimentos", retorque o realizador. Num tom menos "piada interna", avisa que na essência é mesmo um filme para toda a família: "além do mais, o tema é a família! A impressão que a família nos deixa na pele. Mas também é sobre as famílias que vamos encontrando e fazendo ao longo do caminho da nossa vida~- Wonka chega a uma cidade sozinho e consegue juntar um grupo de pessoas, criando qualquer coisa de extraordinário. Espero que seja um filme que aproxime as pessoas"..Timothée Chalamet parece ser mais fã do Wonka de Gene Wilder do que do Wonka de Johnny Depp: "este meu Willy queria que fosse uma espécie de primo do Gene Wilder! Imagino que ele fosse mais ou menos assim na sua juventude. Todavia, percebi desde cedo que esta é uma personagem muito amada e que os fãs têm uma proteção sobre ela muito grande. Entendo que houvesse muito ceticismo com esta nova versão mas esta história que o Simon e o Paul imaginaram tem muita alma. Pessoalmente, estou muito feliz, creio que vim com muitas ideias minhas para este Wonka e ajudou muito trabalhar com estes atores, em especial o Keegan-Michael Key e a Olivia Colman - eles estavam tão soltos! Ensinaram-me que podíamos ter muita diversão no processo"..Os Divine Comedy entram para a nossa cabeça quando começam as maravilhosas canções cantadas por atores como Olivia Colman, Timothée Chalamet, Jim Carter ou Hugh Grant. Esse é o primeiro golpe certo de Paul King: ter recorrido às canções de Neil Hannon, o compositor dos Divine Comedy. O segundo é a forma como se torna este imaginário de Roald Dahl numa confeção de humor estritamente britânico, mesmo com piadas a brincar com obesidade (quando a brigada da cultura woke descobrir...)....Nesta prequela vemos o jovem e andrógino Wonka (um Timohée Chalamet com uma pureza que é comovente) a chegar à cidade onde sonha ter a sua loja de chocolates. Vem com receitas e grãos de cacau de todo o mundo, mas cedo percebe que tem uma concorrência que o quer deixar bem para trás. Pior ainda é quando assina um contrato num hotel duvidoso que basicamente faz com que fique escravo nas caves a trabalhar até que pague a conta. Mas com a ajuda de uma menina também na mesma situação vai conseguindo produzir alguns chocolates e deixando a cidade à espera de mais. Chocolates que fazem literalmente voar quem os prova....Se há pouco surgia a palavra "confeção" não era pois à toa - no genérico diz-se mesmo uma "confeção" de Paul King, cuja estética é realmente confeitaria de pequenos achados visuais e de um humor peculiar, o mesmo que não abusava da simpatia inerente ao urso Paddington em dois filmes que se tornaram novos clássicos. Wonka é a prova definitiva que há um imaginário de autor neste cineasta..De alguma forma, a sintonia de coração e balanço musical grandioso que aqui se sugere é aquilo que a Disney hoje já não consegue lamentavelmente fazer. Um grande espetáculo que sabe ser seriamente tolo quando é preciso, sobretudo quando nos deixa presos às personagens secundárias, em especial no centro do furacão da patetice das forças policiais e do clero. E é uma felicidade não ser nada igual à abordagem de Tim Burton... Que mundo maravilhoso saiu daqui!