Tim Burton
Quando se fala dos cineastas americanos que têm construído a sua obra à custa da conquista de um imenso poder (de decisão e influência) no interior de Holly- wood, lembramo-nos inevitavelmente de George Lucas, Steven Spielberg ou Martin Scorsese. Temos tendência a esquecer o nome de Tim Burton quando, em boa verdade, ele se transformou num dos que mais (e melhor) conseguem equilibrar as componentes de uma obra genuinamente individualista com as estratégias de espectáculo da grande indústria.
Este ano, aliás, Tim Burton deixa-nos dois testemunhos da sua singularíssima versatilidade. Primeiro, foi Charlie e a Fábrica de Chocolate, fabulosa adaptação de um conto de Roald Dahl que combinava a nostalgia de Hollywood (O Feiticeiro de Oz) com a sofisticação dos novos recursos digitais.
Agora, surge o delicioso A Noiva Cadáver, um conto moral sobre a salutar convivência entre "mortos" e "vivos" e, uma vez mais, uma invulgar proeza técnico-artística, em animação stop motion.
A história é estranhíssima mas, contada por Tim Burton, possui uma irresistível "naturalidade". Basta dizer que assistimos às atribulações de um jovem tímido, prestes a casar, que um belo dia, inadvertidamente, faz regressar ao mundo dos vivos (aliás, dos mortos) uma donzela que não está em muito bom estado de conservação? Há mesmo uma simpática larva que habita o espaço vazio de um dos seus olhos?
Ora, Tim Burton não perde tempo a tentar "justificar" o insólito de tudo isso. E nesse aspecto as frágeis figurinhas do seu filme servem perfeitamente os seus intentos de criar um universo em que o fantástico não é um desvio, mas a própria lei de funcionamento das personagens e suas relações.
O realizador já aplicara o stop motion (técnica de filmagem fotograma a fotograma) noutro dos seus filmes O Estranho Mundo de Jack (1993). Aliás, em ambos os casos ele partilha a assinatura com um especialista do meio Henry Selick no primeiro e, agora, Mike Johnson. Não se julgue, porém, que o stop motion envolve qualquer espírito revivalista. Nada disso. É bem certo que se trata de uma das mais antigas técnicas de animação do cinema o primeiro exemplo historicamente referenciado chama-se The Humpty Dumpty Circus, foi realizado por Albert E. Smith e J. Stuart Blackman e tem data de 1898. Em todo o caso, Tim Burton serve- -se dela como instrumento de gestação de um fantástico que, em boa verdade, tende para o realismo cru dos sentimentos. Daí que, em última instância, A Noiva Cadáver seja uma bela (e, à sua maneira, muito cruel) parábola sobre a verdade do amor contra a hipocrisia das relações familiares e sociais.
Aliás, para que tudo fique em família, Tim Burton volta a rodear-se dos seus colaboradores mais fiéis, a começar por Danny Elfman, autor da música. Depois, os bonequinhos animados têm vozes bem conhecidas Johnny Depp, Helena Bonham Carter (mulher de Tim Burton e, aqui, intérprete da "noiva cadáver"), Albert Finney e Christopher Lee são alguns dos magníficos actores que sustentam estas marionetas sem vida, mas plenas de emoções.