Tiago Bettencourt canta o que os outros discutem no café
Ouve-se a voz de Agostinho da Silva a explicar que "aceitar é tomar para si" e que "tolerar é dar licença, com desprezo que o outro seja aceite". Depois vem Barack Obama a anunciar a morte de Osama Bin Laden. Seguem-se as vozes de Trump, Malala, Angeline Jolie ou do Papa Francisco. Samples que se cruzam com a voz de Tiago Bettencourt a perguntar, cantando: "Que homem vais ser quando a altura chegar? Quanto vais ser no mundo a mudar?" A canção Fogo no Jardim faz parte do novo álbum do músico, A Procura, o seu sexto a solo.
Tiago conta que, há uns dias, uma senhora deixava um comentário na sua página de Facebook afirmando que Fogo no Jardim "lhe dizia imenso sobre a questão dos incêndios". E quem recordar Fome (Nesse sempre), do início de carreira do músico com os Toranja, não estranhará esta leitura do mundo na sua música. "Essa canção fala da bifurcação que tens várias vezes na tua vida: vais para um lado ou vais para o outro; e do momento em que tens de perceber quem é que tu és e as tuas razões." A par dessa leitura do mundo, outro tema que volta a estar presente neste novo disco é o das relações amorosas: "Escrevo sobre o que me inquieta e o que me inquieta é o que inquieta qualquer ser humano: o amor, as relações do dia-a-dia, e as questões que te tocam particularmente. Acabo sempre por escrever como qualquer pessoa vai discutir para o café."
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Reparamos que em todo o álbum Tiago Bettencourt ou se dirige a um "tu" ou fala de um "nós". Ri-se, e responde: "Eu também já pensei nisso. É o que me sai natural, não sei dizer porquê, não é uma coisa pensada. Falar com alguém, falar comigo... Posso me estar a tratar a mim por tu, também. Eu sou muito mau a contar histórias, nem gosto muito de estar a falar dele e dela. O Chico Buarque faz isso muito bem, por exemplo. [Aqui] Normalmente são situações, são momentos. Não são histórias grandes. Eu já percebi que escrevo muito sobre situações estáticas no tempo, situações de tensão, e pode ser uma coisa boa ou uma coisa má. Aquelas alturas em que dizes: "Deixa-me lá ver o que é que se passa aqui."" E, entre essas canções que retratam um momento em que vamos para um lado ou para o outro, está Diz Sim, que Tiago canta com a brasileira Vanessa da Mata. "A música já estava pronta e nós achámos que merecia um dueto, que devia ficar muito bonita com uma voz assim mais cristalina, meio sedutora." A cantora estava a passar férias em Ibiza, e conseguiu vir a Portugal para gravar a canção e o videoclipe. E se aí se decide por uma direção, em Acho Que Chegou a Hora decide-se pela outra: Acho que chegou a hora de te deixar ir embora que a distância é o que tens para me dar.
Não se deve confundir o título do álbum, A Procura, com "À procura". "Acho mais bonito isso, a ideia da procura. Essa ideia de desconhecido que nos abre a qualquer coisa que ainda não existe, e o que eu quero dos ouvintes dos meus álbuns é exatamente isso: que não estejam à espera que seja nada do que foi para trás. Não gosto nada daqueles fãs que dizem: Ele está a mudar, agora já não gosto"", explica o músico nascido em Coimbra em 1979. Além disso, conta, houve uma altura em que se preocupava por saber se estava a fugir ao seu próprio núcleo duro - esse que, provavelmente, faz que ainda hoje canta nos seus concertos a Carta, canção pela qual ainda muitos a conhecem, do tempo dos Toranja. "Ia ouvir os meus álbuns, antes de gravar um álbum. Hoje em dia já percebi que é uma coisa tão inerente, que não tenho medo nenhum de arriscar e ir para muito fora daquilo que normalmente é o meu vocabulário, porque não vou perder a minha personalidade. Não me consigo libertar de mim próprio."
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Quando parte para um disco, não sabe onde irá chegar. Aliás, acrescenta, "até ao finzinho de tudo, até fecharmos o álbum, continuamos ali à procura de como é que as músicas podem melhorar. É uma coisa um bocado dolorosa até. Quando entro em estúdio não faço ideia do que se vai passar. Tenho obviamente algumas pistas, sei o caminho que vou seguir. É a mesma coisa que com o GPS: sabes mais ou menos o caminho, mas não sabes da paisagem que vai aparecer até lá, nem sabes o que vai ser o sítio onde vais chegar: sabes a direção".
No seu trabalho há canções mais antigas que surgem em discos novos e canções novas que ficam guardadas para discos que ainda pertencem ao futuro. Se vai buscar uma música "é porque ela sobrevive até à altura em que o álbum começa a ser gravado"; e se por vezes deixa uma canção em pousio é por não ter ainda "as armas suficientes para tornar aquela canção no que ela pode ser". Então, explica o músico que já levou este álbum a Lisboa, a Fafe, ou à Covilhã: "Deixo a canção estar ali à espera até eu perceber que tenho o que é preciso." E quanto àquelas que compõem A Procura, sabemos então que chegou a sua hora.
A Procura
Tiago Bettencourt
Sony Music
PVP: 13,90 euro