The Voice, quando o sucesso é um problema

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Em Inglaterra, arrasta-se há várias semanas uma discussão sobre um programa (em concreto) que não é mais do que uma discussão (em geral) sobre como vai evoluir o modelo do serviço público de televisão.

O programa é The Voice , que ocupou as noites de sábado da BBC One e que o canal público pode vir a perder no futuro para um dos seus concorrentes privados. Não seria o primeiro programa a trocar de estação, mas este caso parece resultar de uma intromissão do poder político, o que foge à tradição do modelo da BBC. No verão, um membro do governo, John Whittingdale, secretário de Estado da Cultura com a pasta dos Media, reconheceu que The Voice era "muito popular" mas, qual advogado do diabo, perguntou se o programa, líder de audiências, seria suficientemente distintivo e se o dinheiro nele aplicado era dinheiro bem gasto.

Os executivos da BBC têm defendido a manutenção do The Voice na grelha e estão já a preparar uma nova temporada, parecendo ignorar a recomendação governamental, embora o risco de o programa se transferir no futuro para a rival ITV seja real. Se existir um leilão, a BBC não entra no jogo.

O espartilho financeiro sobre a televisão pública, lá como cá, é hoje muito maior. Sendo um formato importado e na verdade sem elementos verdadeiramente distintivos, The Voice pode ter os dias contados.

Como podemos partir deste caso particular para uma leitura mais global? Destacando, no essencial, dois pontos e projetando esses pontos na realidade portuguesa:

1) O entretenimento faz parte da matriz do serviço público de televisão. Contribui para a diversidade da oferta e para a relevância da mesma. Eliminar o entretenimento destinado ao grande público é condenar, a prazo, as estações públicas e o papel global que elas desempenham e que, em inúmeros domínios, não podem ser desempenhados pelos privados. Um exemplo: o jornalismo da BBC é relevante porque a BBC é relevante, se ela se tornar marginal - como a PBS americana - tudo o que produz arrisca-se a caminhar para a irrelevância.

2) Optar por formatos nacionais é certamente melhor, isso já sucede na Grã-Bretanha e parece ser uma declaração de intenções da RTP no caso português. No papel está certo. Há, no entanto, uma enorme diferença entre a rede criativa e a capacidade de produção dos dois países. A RTP tem o The Voice com enorme impacto, atingindo públicos, designadamente jovens e urbanos, que, de outra forma, não atingiria. Tanto quanto se sabe, é um acordo feito pela anterior equipa e apenas tolerado pela atual direção. Em televisão, não se devem confundir conceitos com preconceitos.

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