The Crown. A temporada da década 'horribilis'

Cada vez mais próxima do nosso tempo, <em>The Crown</em> torna-se matéria sensível para os que estiveram dentro dos acontecimentos da década de 1990, em torno da Família Real britânica. A 5.ª temporada, agora disponível na Netflix, dá conta dos anos mais complexos desta monarquia, com um elenco renovado.
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Imelda Staunton como rainha Isabel II, Jonathan Pryce como príncipe Filipe, Elizabeth Debicki como princesa Diana, Dominic West como príncipe Carlos, Lesley Manville como princesa Margarida e Jonny Lee Miller como John Major. Eis os novos rostos principais de The Crown, a série que mantém a tradição de "envelhecer" as suas personagens através de um bailado de atores ao sabor da passagem dos anos. É uma estratégia que vem com a própria escrita de Peter Morgan, sempre à procura de refrescar a dinâmica entre essas personagens, sem descurar o material prestigiante que agarrou os fãs desde o primeiro momento, em 2016. Porém, à quinta temporada desvaneceu-se algum do conforto que definia a série - estamos na década de 1990, quando se questionou a relevância ou irrelevância da monarquia britânica, no meio de várias tragédias, maiores e menores. Desde os divórcios (não só o anúncio de Carlos e Diana, mas também o de Ana/Mark Phillips e do príncipe André/Sarah Ferguson) ao incêndio no Castelo de Windsor, passando pelo telefonema escandaloso entre Carlos e Camila e a entrevista de Diana concedida à BBC. Um annus horribilis - 1992 -, como lhe chamou a rainha, que foi sobretudo uma década horribilis.

Falamos de factos cuja dramatização não tem vindo a ser bem recebida por parte de alguns dos retratados, como o ex-primeiro-ministro John Major, ou por parte de vozes defensoras da honra da realeza britânica, como é o caso da atriz Judi Dench, que em declarações ao jornal The Times se mostrou desagradada com a suposta inclinação sensacionalista dos novos episódios da série da Netflix. Mesmo do lado da imprensa crítica, houve muito para agitar as águas...

Nada que não mereça resposta: "A questão dos factos reais em The Crown é que... quase que os podemos ignorar. A série é mais sobre o que estas pessoas estão a sentir e a pensar. Quer dizer, quando o público vê um evento da realeza tem de imaginar o que é que aquela gente está a sentir. E é esse olhar microscópico que se oferece aqui, humanizando as personagens." As palavras são de Lesley Manville (a princesa Margarida), numa conferência de imprensa virtual em que o DN participou esta semana. Palavras que visam reforçar a dimensão sugestiva do drama enquanto tal.

Com todos os referidos atores presentes no painel, a conversa oscilou entre a leveza do tema do vestuário e do requinte da produção e as tiradas sagazes do veterano Jonathan Pryce (príncipe Filipe), que perto do fim lembrou a multidão no funeral da rainha: "É um reflexo do ponto em que a nossa sociedade [britânica] está, com falta de confiança e de credibilidade, por parte dos nossos políticos. Algo que também aconteceu na altura da morte da Diana. Para mim, ver aquela multidão é perceber que esta era a pessoa que queríamos ter a liderar o país, não aquela... Nem me lembro do nome [Liz Truss]. Bem, ela já se foi embora."

Como continuar depois da morte da rainha? É também Pryce quem sublinha que, na sua ausência, "as pessoas poderão encontrar algum conforto em vê-la novamente personificada". Isso mesmo é garantido pela interpretação controladíssima de Imelda Staunton, que elogia a postura de constância da sua personagem: "A rainha manteve-se igual a si própria o tempo todo, e acho que isso é parte da razão pela qual era tão admirada. As pessoas sentiam que, de facto, a conheciam." Não será por acaso que o primeiro episódio desta temporada estabelece uma comparação óbvia entre Isabel II e o iate da Família Real (Brittania): ambos primaram pela estabilidade e resistência.

Quando pensamos em The Crown, o que salta à vista na durabilidade desta produção televisiva é o modo como os atores formam equipas perfeitas em cada temporada, sem perder o brilho individual (os Emmys ganhos confirmam isso). Depois de Emma Corrin, muito do melodrama da série recai agora sobre Elizabeth Debicki, que abordou a figura de Diana com uma sensibilidade redobrada: "Eu acrescento a minha interpretação à interpretação de Peter [Morgan] desta pessoa. Mas quem acompanha a série traz uma ligação, memória e até, de certa maneira, um sentido de propriedade sobre esta e outras personagens - não só em relação a quem as interpretou antes, mas também a partir da sua memória viva. Por isso, da nossa parte, é preciso deixar um espaço e dançar entre todas estas coisas."

Já Jonny Lee Miller, Dominic West e Pryce, que dão vida a personalidades marcadas por alguma má imprensa ao longo dos anos, descobriram homens respeitáveis por trás das parangonas. West diz mesmo que lhe foi inevitável tomar partido de Carlos. É preciso dar o benefício da dúvida à personagem: "Esta temporada abrange um período em que, por causa do divórcio, havia apenas dois lados. Felizmente agora há um pouco mais de perspetiva [sobre o assunto]."

Quando lhes é perguntado porque é que a Família Real britânica continua a ser a mais mediática, Miller apressa-se na resposta: "Porque é a melhor!". West acrescenta, entre risos: "Tem as melhores roupas...". Mas claro que Pryce, o ator vivido e observador da realidade, sabe como rematar: "As famílias reais europeias não têm o mesmo estilo de vida. A maior parte delas vivem como pessoas normais, usam transportes públicos e têm trabalhos. A nossa não. O trabalho é "ser" da família real. E há um certo mistério nisso... Enfim, está tudo no guarda-roupa."

Nem tudo. Para Staunton, o busílis da questão é que "esta família está confinada ao seu comportamento." E é essencialmente por aí que se cose a quinta temporada de The Crown: "Peter Morgan tenta dar-nos vida dentro desse confinamento."

dnot@dn.pt

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