The Chronicles of Fernão Lopes
1 Basta uma passagem pelos títulos das grandes e populares coleções editoriais, como a célebre Que sais-je? (Presses Universitaires de France), com mais de 4000 títulos, ou a Very Short Introductions (Oxford University Press), ou da mesma editora a coleção The Oxford Companions, ou ainda a coleção The New Cambridge Companion (Cambridge University Press), para darmos conta de como os temas relativos à cultura portuguesa, ou à História de Portugal, aparecem tímidos e marginais. Chega a ser confrangedor.
Em boa verdade não podemos medir a importância da nossa cultura e história a partir dessa análise. Até porque, hoje em dia, essas coleções de "livros de bolso", condensando temas e pesquisas, também estão a ficar ultrapassadas pelo acesso direto e livre que a internet possibilita. A investigação historiográfica e os trabalhos dela resultantes, a História de Portugal, a literatura, a cultura portuguesa em geral, já não são tão marginais como se podia supor.
Ainda assim, podemos lamentar que dos clássicos, para além de Camões, só Gil Vicente tenha traduções em francês graças ao trabalho de Paul Teyssier, a quem a nossa cultura muito deve. Em inglês, só esparsas e avulsas traduções, sem significado.
A nossa perplexidade pode continuar quando, por exemplo, damos conta de que uma das figuras maiores da ciência europeia do seu tempo, o matemático Pedro Nunes, só teve a tradução das suas obras completas do latim para português após 2002, nesse trabalho exemplar coordenado pelo professor Henrique Leitão.
E, por tudo isto, não posso deixar de destacar, noutro âmbito, um novo e importante projeto editorial que marca a nossa historiografia e a nossa cultura em geral: a tradução para inglês das obras de Fernão Lopes, com coordenação da professora Amélia Hutchinson e cuja ideia inicial remonta a 2005.
Cronista quase desconhecido fora de Portugal, no estudo e conhecimento dos séc. XIV e XV europeus, quando comparado com Pedro López de Ayala ou Jean Froissart, amplamente traduzidos e citados, Fernão Lopes ficou prisioneiro, até ao presente, desse constrangimento: o de só poder ser lido em português. E as suas qualidades, tanto literárias, como narrativas e até as que dizem respeito à sua objetividade, na preocupação que teve em verificar certos acontecimentos, ficaram sempre ofuscadas pelo halo dos outros cronistas europeus.
O lançamento público das suas crónicas traduzidas para inglês em Portugal, no Mosteiro da Batalha, encontra a oportunidade e o lugar ideais. Porque é Panteão Régio de muitas das personagens que viveram e marcaram os tempos descritos pelo cronista e porque é um monumento que, para além de estaleiro de inovação artística e arquitetónica, desde cedo se tornou espaço de memória dessa "nova geração de gentes", tão singularmente percecionada nas crónicas de Fernão Lopes.
Para além do mais, o lançamento das Chronicles of Fernão Lopes, no contexto da realização no Mosteiro, entre os dias 19 e 21, da importante IV Conferência Internacional Arquiteturas da Alma - Religious Heritage (organização DINÂMIA"CET-Iscte - ISCTE-IUL | IEM - NOVA FCSH | CHAIA - UÉVORA | UCP - CEHR), é uma excelente ocasião para proporcionar a dezenas de investigadores estrangeiros que participam na conferência o encontro com um dos maiores cronistas dos seu tempo.
A edição das obras completas de Fernão Lopes em inglês, e para a qual a professora Amélia Hutchinson se muniu de uma equipa internacional de colaboradores, é, podemos dizê-lo, um marco na nossa cultura.
Diretor do Mosteiro da Batalha