Testemunhos confirmam suspeitas sobre Vale do Lobo
Dois testemunhos recolhidos pelo Ministério Público na "Operação Marquês" reforçaram a tese da investigação de que houve, pelo menos, um favorecimento a empreendimento turístico de Vale do Lobo, no Algarve, quer através do PROTAL quer junto da Caixa Geral de Depósitos. Numa das últimas respostas a um recurso de José Sócrates, o procurador Rosário Teixeira exibiu os depoimentos de um arquiteto da Câmara de Loulé e de um quadro da Caixa Geral de Depósitos e ex-administrador de Vale do Lobo, para fundamentar a sua tese, associando-a às suspeitas de corrupção.
O primeiro a ser ouvido foi Nuno Guerreiro, arquiteto do Departamento de Urbanismo da autarquia de Loulé. Segundo o procurador Rosário Teixeira, este técnico explicou que antes da aprovação do Plaro Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL) - publicada a 3 de agosto de 2007 em Diário da República - pelo governo de José Sócrates, "existia a a expectativa" de que um regime de exceção consagrado naquele documento não viesse a ser admitido, "razão pela qual não havia sequer o empenho de desenvolver as estruturas e de comercializar determinados lotes".
E que exceção foi essa? Segundo o número 6 do PROT, este novo regime não se aplicava aos "aos planos de urbanização e aos planos de pormenor em elaboração que à data da entrada em vigor da presente resolução já tenham sido remetidos à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve". A entrada em vigor só se verificou em dezembro de 2007, fruto de várias retificações ao documento. Em janeiro de 2008, a Assembleia Municipal de Loulé aprovou o novo PDM, consagrando as regras de ordenamento do território definidas no PROTAL. Porém, ficou consagrado que "os parâmetros urbanísticos fixados neste artigo não se aplicam às áreas abrangidas pelos seguintes planos municipais de ordenamento do território enquanto plenamente eficazes", entre as quais estava o Plano de Pormenor de Vale do Lobo 3.
Em declarações ao DN, Seruca Emídio, presidente da Câmara de Loulé à altura dos factos, afirmou não ter memória da tramitação e e discussão do PDM , porém declarou que o documento aprovado em janeiro de 2008 "apenas serviu para adaptar as normas existentes às regras do PROTAL". O ex-autarca garantiu que nem Sócrates, nem nenhum administrador de Vale do Lobo o contataram sobre o processo em questão.
Paralelamente às decisões administrativas, a investigação da Operação Marquês investiga o papel da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no financiamento a Vale do Lobo, o qual começou com a concessão de crédito e posteriormente com a entrada do banco público no capital da empresa que gere o resort de luxo. Dois depoimentos recolhidos pelo MP - de Arnaldo Matias, ex-colaborador de Vale do Lobo, e de José Vilela Filipe, ex-membro do conselho de administração, atual quadro da CGD - apontam, segundo o procurador, no sentido de que o banco público financiou "de forma precipitada" o empreendimento, "com um resultado, em sede de incumprimento do crédito concedido, que não se explica" pela posterior "crise do setor imobiliário".
As suspeitas de corrupção imputadas a José Sócrates e a Armando Vara, administrador da Caixa durante este período, surgem a partir de coincidências temporais entre as decisões administrativas de da Caixa Geral de Depósitos e várias transferências bancárias feitas a partir de contas controladas por Helder Bataglia (um dos sócios de Vale do Lobo), cujo destino final foram contas controladas por Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates e também arguido no processo, e uma ligada a Armando Vara e à sua filha, Bárbara Vara.
Defesa contesta tese
Segundo os advogados de José Sócrates, a tal exceção consagrada no PROTAL mais não é do que "uma cláusula transitória", "de proteção de situações jurídicas constituídas e consolidadas com base em normas anteriormente vigentes". Este tipo de normas, segundo João Araújo e Pedro Delille, "são comuns aos diversos instrumentos de ordenamento territorial e ainda ninguém, foi preso por isso". Os defensores de Sócrates incluíram nesta argumentação o exemplo de uma cláusula semelhante encontrada num diploma do governo liderado por Passos Coelho.
Entretanto, Amadeu Guerra, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) dar mais três meses ao procurador Rosário Teixeira, não para encerrar a investigação, mas para este último dizer quando é que a acaba. Ou seja, lá para março do próximo ano, ficar-se-á a saber a decisão do procurador titular do processo "Operação Marquês". Segundo um comunicado da Procuradoria-geral foram constituídos doze arguidos, investigados pelos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.