Território
O Chico envia-me fotografias dos escoadouros da varanda. Já concluiu os retoques nas paredes, mas foi naqueles escoadouros que pôs tudo o que tinha. "Obra de arte", exclama.
Sempre que viajo, deixo-lhe um pedido ou dois. Entretanto, volta e meia vem cá o Assis, reerguer um muro ou pavimentar um recanto. Na Primavera, o Carlinhos passou um mês a pintar a casa, betão, madeira e metais. O José Domingos refez a cozinha há dois anos, acrescentou uns armários no ano passado e qualquer dia tem de se ocupar das janelas. O Anselmo das canalizações, o Leonel do esquentador - perco a conta aos serviços que temos contratado, e também ao dinheiro que já gastámos.
E ainda falta tratar do salitre, obra para que ninguém me propõe uma boa solução.
Uma casa no campo é assim: há sempre alguma coisa a fazer. E, se não há, inventamo-la. De vez em quando damos por nós a ver sofás e estantes. Fazemos projectos para mudar o quarto de hóspedes. Imaginamos um pequeno apartamento na cave, para as visitas. Ou um segundo andar sobre a cozinha, com uma suite panorâmica.
Só aos planos para estender a cozinha jardim dentro, ao género conservatory, é que continuamos a adiar. As obras exequíveis são as mais perigosas.
De resto, não nos move tanto a mudança como a luta pelo espaço. É mais do que inquietude das brumas, isto. Uma casa no campo está sempre em obras porque está sempre em risco. A natureza vem por ela dentro.
A hera trepa as paredes. O bicho-sapateiro invade-a por debaixo das portas. A humidade e o caruncho corroem-na devagar.
Uma casa no campo está sempre em obras porque essa é a sua maneira de sobreviver. A nossa. Habitamos um território de fronteira, e há poucas coisas tão viciantes como essa.