Terras da Reforma Agrária asseguram influência do PC no Alentejo
Poucas horas depois de o PCP ter perdido o bastião de Beja, cuja autarquia liderava desde o 25 de Abril, João Honrado, militante comunista da "velha" guarda com mais de 13 anos cumpridos nos calabouços da PIDE, confessava a sua surpresa, mas dizia ao DN que o mundo "não acabou". "Temos de encarar esta situação do ponto de vista revolucionário e trabalhar para a inverter."
Embora o mundo não tenha acabado, a forma como ele se organizava conheceu profundas alterações na sequência do último ciclo eleitoral - o Alentejo deixou de ser "vermelho". À perda de Beja e de Aljustrel, vila mineira tradicionalmente com forte implantação comunista, somaram-se outras derrotas no Alentejo, como Sines (cujo autarca, Manuel Coelho, deixou o PCP para encabeçar uma lista de independentes), Viana do Alentejo ou Vila Viçosa.
Nos 14 municípios do distrito de Évora, a CDU lidera apenas 4, todos eles vizinhos, apelidados por um autarca socialista como sendo uma espécie de "bloco de Leste". Em Vendas Novas, Montemor-o-Novo, Arraiolos e Mora, o PC continua a ser "quem mais ordena", acumulando expressivas votações nas legislativas (onde, por norma, a CDU é a coligação mais votada) com retumbantes vitórias nas autárquicas (acima dos 60 por cento). A estes concelhos soma-se o de Avis, liderado pelo PCP desde o 25 de Abril e onde a Reforma Agrária teve uma expressão mais significativa.
Para Luís Simão, 42 anos, licenciado em Engenharia Agrícola e novo presidente da Câmara Municipal de Mora, cargo no qual sucedeu ao "histórico" José Sinogas, a explicação para este sucesso eleitoral tem a ver, por um lado, com as raízes históricas do partido e, por outro, com o trabalho realizado nas autarquias.
"Partimos para cada eleição com promessas e com propostas que ao longo do mandato fazemos questão de cumprir. Isso é fundamental na hora do voto", diz o autarca ao DN, reconhecendo que a mesma fórmula não pode ser trasladada para as legislativas, onde as opções surgem "quase sempre" bipolarizadas entre PS e PSD. "Muitos eleitores comunistas, seja em que região do país for, não hesitam quando se coloca a questão de escolher entre Manuela Ferreira Leite e algum candidato mais à esquerda".
Já quanto à perda de influência do PCP nas autarquias do Alentejo, Luís Simão diz que é "difícil de entender". Avança uma explicação: "Pode ter a ver com o reconhecimento de mais capacidades aos candidatos de outros partidos." Mas, rapidamente, "amortece" o discurso: "Repare que, mesmo nesses casos, as votações da CDU são elevadas. Em Évora, por exemplo, o PS ganhou, mas com uma vantagem relativamente curta."
Em Mora, a Matemática não assume especial complexidade: 61 por cento para a CDU, votação que sobe para 73,7 por cento na freguesia de Cabeção, uma das mais expressivas a nível nacional. "É uma terra com grande tradição antifascista, em que muitas pessoas foram presas e torturadas pela PIDE e cuja memória perdura", explica o autarca.
Nestes cinco concelhos, logo depois do 25 de Abril, foram criadas 71 Unidades Colectivas de Produção (UCP), que ocuparam uma área de cerca de 210 mil hectares de terra. Antigo deputado do PCP, ex-membro do Comité Central e organizador das conferências de Reforma Agrária, António Murteira diz ao DN não ser possível estabelecer uma "relação directa" entre o movimento das ocupações de terra e os melhores ou piores resultados eleitorais agora obtidos pelo PCP.
Até porque, sublinha, nalguns concelhos onde houve forte implementação das UCP, o PCP perdeu a gestão da câmara municipal, como é o caso de Beja. E noutros, onde a força da Reforma Agrária nunca foi tão evidente, como o Crato, a autarquia foi reconquistada pela CDU nas últimas eleições.
"A memória da opressão dos antigos latifundiários será um dos elementos que influencia a vitória do PCP mas não será seguramente o único nem creio que, nesta altura, seja o mais importante", assinala António Murteira, apontando o trabalho dos autarcas e a própria composição social dos diversos concelhos como "contributos" para a manutenção de votações maciças nos comunistas.
Para o ex-membro do Comité Central, é, no entanto, evidente a perda de influência do PCP do Alentejo. Por isso, revela que irá escrever uma carta à direcção do partido a propor a realização de um debate sobre "a situação social e económica da região e sobre a situação do partido no Alentejo pois desde 1982 estamos a perder autarquias e isto impõe uma reflexão mais profunda do que aquela, conjuntural, que é feita a quente nos dias seguintes aos actos eleitorais".
"Esta situação de perda de influência do PCP no Alentejo exige uma reflexão que, se não for feita, prejudica o PCP e a própria região pois o Partido Comunista é uma força positiva para o desenvolvimento do Alentejo."
Recusando avançar a sua opinião sobre as causas concretas que originam essa perda de influência - "terá de ser o debate que proponho a responder a isso" - António Murteira defende a necessidade de "dinamizar em ideias e acções" a intervenção política dos comunistas no Alentejo, num debate "que não será contra ninguém, mas para o qual não devem existir conclusões prévias".
Cinco anos depois de chegar à liderança do PCP (foi eleito secretário-geral a 28 de Novembro de 2004 durante o congresso realizado em Almada), Jerónimo de Sousa não conseguiu evitar a "erosão" comunista no Alentejo, que não será alheia à saída de alguns quadros influentes - retirou a confiança política a Alfredo Barroso (reeleito presidente da Câmara Municipal de Redondo à frente de uma lista de independentes), não evitou a ruptura com Manuel Coelho, em Sines (mais uma derrota histórica para a CDU) e a própria saída de Domingos Lopes, militante no PCP durante mais de 40 anos, terá tido influência nos resultados em Alandroal, onde integrava a Assembleia Municipal.
Em entrevista do DN, o ex-presidente da Câmara Municipal de Alvito, Lopes Guerreiro, município que João Penetra reconquistou para a CDU nas últimas autárquicas, considerou que apesar de a imagem de "bom chefe de família" transmitida por Jerónimo de Sousa ser "bonita de ver", "não tem tradução prática" na vida interna do PCP, onde muitos autarcas continuam "afastados" dos órgãos de direcção. "A estratégia tem sido de resistência e isso não permite grandes crescimentos". Para além de possibilitar ao Bloco de Esquerda "cavalgar a onda, capitalizando o descontentamento" face às políticas do Governo.