Termina hoje discussão do programa que divide professores de matemática

O novo Programa de Matemática do Ensino Básico está a dividir professores: uns consideram-no desadequado à idade dos alunos e alertam que vai afastá-los mais da disciplina, outros aplaudem a aposta no rigor e exigência.
Publicado a
Atualizado a

A Lusa contactou os coordenadores de Matemática de escolas classificadas entre as melhores e as piores na prova do 9.º ano para saber qual a sua opinião sobre o novo programa, cuja discussão pública termina hoje.

"O programa vai desmotivar os alunos logo desde o básico", defendeu Paula Pires, da Escola Básica Integrada Mouzinho da Silveira, na Baixa da Banheira, considerando que o programa é "muito abstrato" e "não está adequado à capacidade cognitiva dos alunos".

A professora deu como exemplo o caso da geometria que, até agora, era ensinada aos mais novos através da observação de objetos do dia-a-dia para depois chegar a conceitos mais abstratos, como um segmento de reta ou uma face.

"O novo programa parte do segmento de reta para depois passar aos sólidos", criticou a docente da escola, onde os resultados no último exame nacional foram dos mais fracos.

Paula Pires defende que o programa ainda em vigor devia ser avaliado e melhorado, nunca "deitado ao lixo" e substituído por outro que vai "provocar mais insucesso escolar".

A ideia de que nem todos terão capacidade para perceber o que lhes é exigido a cada ano não é uma convicção apenas de quem dá aulas aos alunos com dificuldades.

No Externato As Descobertas, em Lisboa, onde os alunos ficaram entre os mais bem classificados, o novo programa foi uma desagradável surpresa: "Existem erros de sequência e erros de exigência em idades diferentes", corroborou o diretor, João Rangel de Lima.

O docente considera que é "um retrocesso", uma vez que se apresenta como "uma lista de tarefas para os alunos executarem, em alguns casos profundamente desadequadas à sua idade".

João Lima dá exemplos concretos do que considera ser uma inversão da lógica: "Nos 3.º e 4.º anos têm de fazer contas com vírgulas, o algoritmo das quatro operações, sem nunca aprenderem antes como é que isso se faz com as frações. Começam a ver aquelas vírgulas, as casas decimais, a adicionarem-se e a subir sem perceberem porquê".

Já o coordenador de matemática do Colégio Planalto considera que o programa está bem estruturado e que os alunos terão capacidades cognitivas para responder ao exigido. Fernando Pena defende que a exigência deve ser estimulada desde o 1.º Ciclo, quando "os alunos estão muito mais disponíveis para aprender".

Quando era professor no ensino superior, cansou-se de ver "os estragos que provocavam ciclos de ensino de matemática muito pouco focados" na disciplina.

A Associação de Professores de Matemática (APM) tem contestado o novo programa. Em declarações à Lusa, a vice-presidente da APM, Ana Vieira Lopes, lembrou que existem conceitos abstratos e difíceis de trabalhar, como as frações ou os números racionais, e que o programa desvaloriza a importância de compreender as matérias.

Um dos autores do novo programa, Carlos Grosso, rebate as criticas: "Creio que as metas não referem a palavra compreensão ou compreender. O programa refere algumas vezes na sua introdução. No programa anterior era referido mais de 160 vezes. Mas a compreensão não se decreta".

Carlos Grosso sublinha ainda que apesar de lhe chamarem "novo programa", na prática o documento tenta melhorar e eliminar as incoerências que existiam.

O professor dá um exemplo concreto dos desajustamentos cognitivos do programa ainda em vigor: "É proposto que crianças de seis, sete anos, façam estimativas. Um dos exemplos que está no programa é "apresentem um frasco de feijões e peçam-lhes para dizer quantos feijões estão lá dentro. Isso é uma atividade semelhante a mostrar a um adulto um saco de arroz e perguntar-lhe quantos grãos estão lá dentro com erro inferior a uma centena. Não acredito que a maioria dos professores de matemática não reprovasse numa atividade destas".

Carlos Grosso admite que existem conteúdos mais difíceis que só alguns alunos conseguirão atingir: "Isso é natural, não somos todos muito dotados para a matemática, mas somos todos capazes de a aprender".

Mas também existem conteúdos mais complexos que vão passar a ser ensinados mais tarde, "quando os meninos estão mais preparados e têm conhecimentos de matemática mais avançados", como as translações e as probabilidades, que passaram do 1.º para o 3.º Ciclo.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt