"Tenho fé de que o cristianismo no Médio Oriente não se vai extinguir"
Como cristão do Médio Oriente, ainda por cima arcebispo ligado ao Papa, sente ser membro de uma espécie em vias de extinção?
Sim, sinto. No sentido em que a longa história do cristianismo lá é também uma longa história de perseguição à Igreja. O Médio Oriente atravessou uma série de mudanças e de dificuldades e nós sempre sobrevivemos. Claro que houve tempos mais florescentes, os tempos da Igreja de Antioquia, e que hoje os nossos números estão a reduzir-se. No campo da teologia, está agora a redescobrir-se a riqueza do cristianismo dessa parte do mundo, mas quando falamos da situação política sentimo-nos vítimas, negligenciados, esquecidos pelos políticos. E sim, as pessoas têm medo de que o cristianismo possa desaparecer do Médio Oriente se o caminho continuar a ser este. Mas tenho muita fé e esperança que o cristianismo não se extinga na região.
Mas os cristãos têm partido, emigrado, em grande número mesmo do seu Iraque.
Sim e é assustador. Mas se é verdade que os tempos não são os de afirmação da comunidade que se viveram nos anos 1970 e 1980 no Iraque ou na Síria, acredito mesmo assim que, se sobrevivemos dois mil anos, iremos continuar a sobreviver.
Que conselho dá quando uma família cristã iraquiana lhe diz que hesita entre ficar apesar da violência e emigrar, fugindo do extremismo islâmico e do terrorismo?
Não tenho resposta para lhes dar como bispo. As famílias cristãs no Iraque ou na Síria têm muitas razões que justificam a decisão de emigrar e ninguém as vai contrariar e dizer para ficarem. Aqueles que ficam, fazem-no por fé e por crença em algo e a nós compete ajudá-los, estar com eles. Aos que decidem partir, digo-lhes para terem cuidado. Que se vão viajar sem apoio financeiro para os tempos em que estiverem à espera do caso ser resolvido pelas Nações Unidas ou aceites por outros países, não vão. No Iraque, pelo menos, podemos ajudá-los. Aconselhamos a que não partam a não ser que estejam mesmo forçados a fazê-lo. E dizemos para que não recorram aos traficantes de pessoas.
No seu caso, sente medo no dia-a-dia, sendo cristão? Nunca pensa que um extremista islâmico pode estar a vigiá-lo como possível alvo?
Existe quem sinta isso. Eu não. No meu interior não sinto esse medo. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos acho que ultrapassámos esse medo do quotidiano. Sei que houve padres que foram mortos, outros raptados, e que muita gente foi chacinada, mas para mim existem outras preocupações.
Tem havido sistemática violência contra os cristãos do Iraque e da Síria. As atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico revelam um novo patamar?
São diferentes na medida em que é um grupo mais brutal, mais diabólico. Matam, degolam, queimam. Mas sim, em termos de mentalidade, são iguais a outros extremistas. A forma como aplicam a violência é que é mais brutal e horrível.
Que relatos recebe dos cristãos que vivem em regiões controladas pelos jihadistas?
Vivem num permanente estado de medo. Nunca sabem o que lhes vai acontecer e sobretudo para as raparigas é uma situação horrível, pois são submetidas a tudo e nunca sabem o que lhes vai acontecer. E para os homens o risco é serem acusados de algo e desaparecerem.
Mas sabe se tentam converter cristãos à força?
É uma tarefa diária. Um chamamento todos os dias. E se os cristãos não cedem têm de se submeter às humilhações do Estado Islâmico, gente que quer desumanizar o outro.
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Qual é a sua explicação para o surgimento do Estado Islâmico? Nasce do caos no Iraque pós-Saddam Hussein e da revolta anti-Bashar al-Assad na Síria?
É um acumular de situações, de ressentimentos. E podemos dizer que começou tão cedo como os primórdios do islão, com a determinação de converter todos. De fazer através da força e da guerra toda a nação aderir ao islão, tornar-se o povo de Alá. Foi a época da submissão aos soberanos islâmicos. E depois, na era moderna, temos após os anos 1930 a ideia de que é no islão que está a solução para todos os problemas da humanidade. Que por isso há um dever de jihad. Ao mesmo tempo, acusam o Ocidente de ser uma cultura corrupta, dizem que é inevitável o choque de civilizações.
Os jihadistas olham para os cristãos do Médio Oriente como agentes do Ocidente?
Olham para o Ocidente como terra de cristãos e de cruzados. E apontam os cristãos do Médio Oriente como tendo uma ligação. E isto não acontece só com os jihadistas, mas sim com quase todos os muçulmanos. E de nada vale explicar-lhes que nem todos no Ocidente são cristãos e que muitos dos que o são nem sequer são praticantes. Por isso digo sempre que o Estado Islâmico resulta da acumulação de muitos incidentes e episódios na história do Médio Oriente, mas também desta vocação missionária do islão, da vontade de querer converter todos.
Essa pressão para a conversão dos cristãos é anterior ao Estado Islâmico?
Sim, o Estado Islâmico levou-o ao extremo, mas no islão existe esse zelo de conversão. É um dever para qualquer muçulmano.
A vida era mais fácil para si como cristão nos tempo da ditadura de Saddam, derrubado em 2003 pelas tropas americanas?
Estávamos silenciosos do ponto de vista político. Sabíamos que havia agentes da polícia secreta dentro da nossa comunidade, a ouvir, a observar e a reportar as atividades da nossa Igreja. Éramos vigiados muito de perto pelo governo e optámos pelo silêncio, por isso deixaram-nos em paz. Mas se soubessem que havia algum tipo de oposição, agiriam. Em 1974 nacionalizaram todas as escolas cristãs. E pediram aos jesuítas para deixarem para sempre o Iraque.
Se os cristãos não contestassem o regime eram tolerados?
Saddam tolerava todos. Se não tivessem atividade política, não lhe interessava se eram cristãos, sunitas ou xiitas.
É possível dizer que com o fim dos impérios a única proteção para as minorias no Médio Oriente é a dos ditadores laicos?
Não. A melhor proteção seria a dada por um Estado que respeitasse a lei. O cristianismo floresce sempre que existe Estado, lei e liberdade.
Se tiver de dizer o país do Médio Oriente onde os cristãos estão hoje mais seguros, qual seria?
Diria o Líbano. É certo que são muitos, mas sobretudo no Líbano as comunidades desenvolveram uma cultura de diálogo depois de uma guerra civil muito brutal. Por exemplo, estiveram agora dois anos sem se entenderem para um novo presidente, levaram a luta política até ao limite mas sem combaterem. Creio também que a igreja libanesa desenvolveu uma série de instituições, desde a educação à saúde, que fazem a diferença no país e todas as comunidades o compreendem.
Vive em Erbil, capital do Curdistão iraquiano, região com vasta autonomia. Os curdos são muçulmanos tolerantes com as minorias?
Os curdos tiveram a sua própria experiência de serem perseguidos e negligenciados. E por isso têm uma simpatia, uma proximidade, pelas minorias. Creio também que olham à volta e tentam construir uma sociedade em que coexistam pessoas de credos diferentes. Depois do Líbano, o Curdistão iraquiano é o melhor para os cristãos do Médio Oriente viverem. Desde 2003 até 2014 mais de 60 mil famílias cristãs iraquianas refugiaram-se no Curdistão iraquiano. E depois também famílias cristãs de Mossul, ocupada pelo Estado Islâmico. O governo deu-me uma licença para abrir uma universidade católica em Erbil, com esse nome. E isso é extraordinário.
Como está hoje o sentimento nacional no Iraque? Existe?
Existe, mas já foi mais forte.