"Temos quase 20 mil jovens a aprender português na Extremadura"

Entrevista a Guillermo Fernández Vara, presidente da Extremadura espanhola. O médico nascido em Olivença, líder regional do PSOE, fala das relações com Portugal, da unidade de Espanha e dos pontos fortes da sua região.
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Através do Experimenta Extremadura, que hoje tem inauguração oficial em Lisboa no Instituto Cervantes e traz até dia 25 gastronomia, vinhos, música e literatura aos portugueses, a região a que preside volta a mostrar-se aos portugueses. Que Extremadura é esta hoje?

A Extremadura é uma região que está em transformação permanente, que passou de ser uma região onde há 30 anos praticamente 40% da sua economia era da agricultura, do campo, a uma sociedade moderna, do século XXI, onde a indústria do setor energético é a referência em toda a Espanha. Somos neste momento a região onde mais energia renovável, de origem solar, se está a produzir. Estamos a fazer também uma grande aposta turística, com Cáceres, Mérida e Guadalupe, além da muito especial Olivença, e para isso olhamos muito para Portugal. Temos muito turismo cultural, de natureza e de gastronomia. Somos também uma região onde se está a desenvolver muito a indústria agrária, com a produção de tomate, de azeite, de cerejas, de vinho. E isso faz com que a nossa economia tenha um crescimento anual acima dos 2%. Mas também temos problemas: falta-nos empresas grandes.

Tradicionalmente a Extremadura é uma das regiões mais pobres de Espanha. Isso está a mudar? Estão a aproximar-se da média espanhola?

Éramos uma das mais pobres há 40 anos quando chegou a democracia a Espanha mas havia outras regiões pobres também. O importante é que temos vindo a dar a volta. A mim não importa tanto as estatísticas mas sim a realidade da vida das pessoas. E sim aqui há um rendimento abaixo da média espanhola, mas também é verdade que aqui as casas são mais baratas que noutras regiões. O que me preocupa mais são os números do desemprego e também a qualidade do emprego. Baixamos este verão dos 100 mil desempregados pela primeira vez numa década, mas temos de prosseguir com este trabalho de criar emprego de qualidade. Atuamos muito também a nível da proteção social e por isso temos um rendimento mínimo garantido e muitas outras medidas para garantir a coesão social.

As relações económicas com Portugal são decisivas para o desenvolvimento da Extremadura?

Sim, completamente. Só dois exemplos: hoje em dia as relações comerciais entre Badajoz e Elvas são muito estreitas. E em termos gerais o nosso comércio com o centro de Portugal vale muito para a economia da região. Portugal continua a ser o principal comprador dos produtos extremenhos. E são muitos os espanhóis e os portugueses que trabalham e fazem a sua atividade de um lado e outro da fronteira. E não é só relação económica. Também se vai ao médico ou se estuda de um lado e outro, sobretudo nessa eurocidade que é Badajoz mais Elvas.

A experiência autonómica espanhola, muito diferente da portuguesa, não afeta o relacionamento por exemplo com o Alentejo? É possível uma relação estreita entre a Extremadura e o Alentejo ou a Beira Interior?

É completamente possível. Ainda há semanas estive num debate em Portalegre sobre as relações transfronteiriças, porque temos os mesmos problemas, os mesmos desafios. E o que é muito importante salientar é que há muito boas relações pessoais entre as autoridades portuguesas e as espanholas. Isto em relação tanto ao Alentejo como à Beira Interior com a comunidade da Extremadura.

Há milhares de jovens na Extremadura a aprender português. Isso significa que olham para Portugal com grande curiosidade ou mesmo como uma oportunidade de trabalho?

As duas coisas. Com curiosidade porque é o país vizinho, por isso temos quase 20 mil jovens a aprender português. E também como uma oportunidade porque há já muitos espanhóis a trabalhar em Portugal, assim como portugueses a trabalhar em Espanha. Creio que há um sentimento de que temos de recuperar o tempo perdido, que estivemos demasiado tempo de costas voltadas e agora é o momento de darmos as mãos. Temos um futuro juntos a construir no âmbito da União Europeia.

Falou das relações pessoais. Hoje também são muito boas essas relações entre os primeiros-ministros António Costa e Pedro Sánchez, dois socialistas. O senhor, como dirigente do PSOE, entende que esta proximidade pessoal e ideológica entre os dois chefes de governo pode beneficiar as relações entre Portugal e Espanha?

Diria que não sendo imprescindível haver essas boas relações pessoais, sem dúvida que ajuda muito. E creio que a relação que há hoje entre Pedro Sánchez e António Costa é imelhorável.

Há dois anos deu-me uma entrevista em que foi muito crítico da liderança de Sánchez no PSOE, então na oposição ao PP de Mariano Rajoy e muito acossado na votação pelo Podemos. Muito mudou entretanto e hoje Sánchez é primeiro-ministro à frente de uma inovadora solução de governo. Sente-se mais otimista em relação ao futuro do partido socialista espanhol?

No PSOE houve um processo de primárias para eleger um secretário-geral. E nesse processo uns ganharam e outros perderam. Eu fui um dos que perdeu, que defendia outra solução executiva para o partido, mas isso é passado. Agora é preciso perceber o cenário em que ocorreu a moção de censura que pôs Pedro Sánchez à frente do governo de Espanha. Foi na sequência de uma sentença judicial que condena o partido que estava no governo por um grave delito de corrupção. Não havia outra solução que não uma moção de censura e Pedro Sánchez avançou com um vasto apoio parlamentar que automaticamente o tornou chefe do governo. Claro que é difícil governar com 84 deputados apenas e estamos num tempo novo e nesta nova realidade há que falar muito, de negociar muito para fazer as coisas seguir em frente com o máximo de apoio possível.

Há quem compare as soluções governativas em Portugal e Espanha, mas a verdade é que em Portugal o PS conta com o apoio de outros partidos de esquerda, enquanto em Espanha o PSOE preciso de entender-se até com partidos nacionalistas. Só pode pois, no caso espanhol, ser uma solução muito temporária, até por causa do desafio separatista na Catalunha?

Sim, é verdade. A grande vantagem de Portugal é que entre vocês nenhum partido político discute a unidade do país e nós temos partidos que estão no Congresso dos Deputados que se querem separar de Espanha. Por isso, temos de procurar uma solução progressista que defenda a unidade de Espanha e a justiça social.

Para si, a unidade de Espanha frente ao independentismo catalão é hoje o maior problema, maior até que a questão económica?

São dois planos diferentes. O separatismo é institucionalmente o maior problema, mas não socialmente. A necessidade de desenvolvimento continua a ser muito importante, sobretudo para regiões como a Extremadura.

E para si, em qualquer cenário negociar, a unidade de Espanha continua a ser a linha vermelha que ninguém pode ultrapassar?

A unidade de Espanha é intocável.

Na Extremadura é tema consensual, certo?

Indiscutível.

Voltando ao tema das relações entre Portugal e a Extremadura, tivemos há meses de novo tensões por causa da segurança na central nuclear de Almaraz, situada junto ao Tejo. O que se passou no caso do armazém de resíduos?

Penso que se tratou de falta de partilha de informação. E penso que enquanto Almaraz continuar a funcionar o que tem de haver é um sistema de informação permanente às autoridades portuguesas, porque qualquer incidente, por mínimo que seja, tem de ser comunicado.

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