"Temos 150 milionários a trabalhar na Sword, que não tinham riqueza geracional e agora têm"

Brunch com Virgílio Bento, fundador e CEO da Sword Health
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Quando combinámos o local do almoço, fiquei curioso. Virgílio Bento é dono da Sword Health, a startup portuguesa que mais depressa se tornou unicórnio e que já vale 2000 milhões de dólares e que daqui a menos de dez anos poderá estar nos 50 mil milhões. Porquê o McDonald"s? Quando nos conhecemos, na fila onde pediu um Big Mac e uma Cola Zero, explicou-me. "É um cliente nosso e nós gostamos de fazer coisas com os nossos clientes numa lógica de give it back [retorno]." Mas não é a única razão. Pergunta-me se tenho filhos. Os seus, a Carolina, que está quase a completar 4 anos, e o Miguel, 6, estão perto da idade dos meus. A tradição é levá-los uma vez por semana ao McDonald"s. E brinca: "Esta semana irei duas vezes!"

Tinham-me dito que Virgílio Bento, 39 anos, é "muito genuíno". Gosta de coisas simples na vida. Escolheu viver no Porto, que "tem o rio, a praia, um parque da cidade espetacular, é uma cidade cosmopolita, com bons restaurantes, com pessoas muito afáveis e um aeroporto internacional, e com acesso a talento." Não é nos Estados Unidos que quer estar com a família. Faz tudo para só ter de viajar para a América de seis em seis semanas - tanto pode ir ao escritório, a Nova Iorque, ou a Salt Lake City, Dalas, Palm Springs, onde for preciso. Na mala leva uma agenda cheia, para não mais do que uma semana de trabalho. Regressar é importante - conta, enquanto ainda não estávamos sentados a almoçar e falávamos de filhos. "A minha vida profissional é tão complexa que eu preciso de simplificar tudo o resto na vida, é uma das formas como consigo ser, acho eu, bem-sucedido na vida e bem-sucedido também como pai dos meus miúdos." Leva-os à escola de manhã cedo e vai ao ginásio ou então treinar jiu-jitsu - melhor dizendo, vai desafiar-se.

"Como CEO da Sword estou no topo do meu game, não é? Sou um expert. E eu queria voltar a algo em que fosse um principiante, que me desafiasse, que eu estivesse ali a sofrer intelectual e fisicamente, e sentisse também aquela alegria de ver a minha evolução. Na Sword é muito difícil, para mim, ver a minha evolução, porque já estou no topo. Se tens o Messi, o Ronaldo, tipo, qual é a evolução deles quando já estão no topo...?"

Ao longo da conversa, são inúmeras as referências ao futebol e ao Sporting, o seu clube. Para Virgílio o trabalho é um jogo. "O mundo dos negócios e o mundo da inovação são uma espécie de guerra sem balas", onde muitos competidores tentam ser bem-sucedidos à conta da Sword. "Nós temos um impacto humano muito grande nos nossos pacientes e na Humanidade e é uma espécie de jogo, é um desafio mesmo pessoal muito grande, ser cada vez mais bem-sucedido e keeping score [continuar a pontuar], sempre olhando para o resultado. E o resultado vem, mede-se de várias formas, através do número de pacientes que tratamos, do impacto humano que temos, mas também da realização da Sword, das nossas receitas, do impacto económico que temos nos nossos colaboradores." É por isso que usa um eufemismo para o dia (que não lhe passa pela cabeça que chegue) em que se poderia desligar deste jogo, fazer "check-out".

A história da Sword Health começou antes do que se podia imaginar. Virgílio nasceu na Guarda, tinha 8 anos quando o irmão, 2 anos mais velho, foi atropelado numa passadeira à saída da escola. Ficou 12 meses em coma, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, com um primeiro prognóstico de que iria ficar em estado vegetativo. Quando finalmente acordou foi internado mais um ano no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. O tratamento foi intenso, mas o regresso à Guarda levou os pais a uma solução desesperada na procura pela continuidade da reabilitação do filho. Voaram para Cuba para um tratamento de três meses. "Uma das lições desta experiência foi que o resultado para uma recuperação eficiente e rápida é a exposição ao tratamento. Em Cuba, pode-se expor um paciente a um fisioterapeuta sete horas por dia, com toda a intensidade. São 20 dólares por mês a um fisioterapeuta e os estrangeiros, como os meus pais, pagavam 10 ou 20 mil por mês. Assim dá, não é? Mas no mundo real isto não acontece, as pessoas não podem."

A solução da Sword, um dispositivo para reabilitação motora, replica o trabalho do fisioterapeuta através de uma tecnologia de Inteligência Artificial, que permite desempenhar esse papel de uma forma infinitamente disponível. Mais de 1,5 mil milhões de pessoas no mundo sofrem de dores crónicas. "Estas deviam ter acesso a um fisioterapeuta quatro dias por semana, de alta intensidade. Só que, obviamente, isso não é possível no Sistema de Saúde nos Estados Unidos ou no de qualquer parte do mundo, porque não há essa disponibilidade de recursos humanos especializados para a dimensão do problema. Então, vão atrás de uma silver bullet [bala de prata], vão fazer uma cirurgia, que não resulta em 50% dos casos. Ou vão tomar opioides e isso traz um problema de adição muito pior", resume Virgílio.

"O que nós desenvolvemos foi o que chamamos de sistema de Inteligência Artificial, que é o terapeuta digital, que permite às pessoas [com a ajuda de um tablet com um sistema operativo próprio que analisa os movimentos e dá feedback em tempo real, como se estivesse numa clínica] fazerem as suas sessões de tratamento, em casa, sem nenhum humano lá, e que lhes permite recuperar independentemente da hora. Não tem limitação de acesso. E tudo o que [o paciente] faz com o terapeuta digital é, depois, assincronamente analisado por um elemento da nossa equipa clínica, que está lá para dar o toque humano que nós achamos muito importante." Este é um modelo de terapêutica que combina a ação humana com a Inteligência Artificial.

"É igualmente importante, no contexto atual da saúde no mundo, acrescentar que nós reduzimos bastante os custos com a saúde. É por isso que nós estamos a crescer tão rapidamente", explica o CEO da Sword Health. "Garantimos que, por cada um dólar que nos pagam, nós reduzimos aos nossos clientes dois dólares em custos de saúde."

É nos EUA que estão 99,5% dos seus clientes, como a Pepsi, McDonald"s, Dell, Cisco, Citibank, que possibilitam aos seus trabalhadores terem acesso a este tratamento, que tem um custo fixo de 1000 dólares, mas que permite uma poupança de pelo menos o dobro. "Nós nunca fomos inocentes em acreditar que o nosso sucesso passava por Portugal [onde têm a Tranquilidade como único cliente]. E, portanto, desde o início que nos focámos nos Estados Unidos."

Hoje, o irmão de Virgílio trabalha na autarquia da Guarda. Vive em casa dos pais, mais "por conforto" porque "conseguiu atingir a independência". Tanto ele como a mãe, que sofre de lombalgia, são utilizadores do terapeuta digital. "Aliás, o que a minha mãe faz é: recupera, depois volta a fazer as asneiras todas físicas, volta a ter um problema, telefona-me para recuperar novamente. Ela já fez Sword várias vezes, desde o início", confessa.

Esse início remonta ao doutoramento de Virgílio, que quando foi para a universidade, a cidade "mais parecida, por ser pequena," com a Guarda que encontrou para estudar (escolheu Engenharia Eletrónica e Telecomunicações), foi Aveiro. Até ali tinha sido um aluno de 18 valores no Secundário, mas mais interessado nos jogos de Playstation e em sair à noite com os amigos do que nos estudos. Era o oposto do que é hoje, que muito do tempo que tem livre passa-o a ler, especialmente biografias ou histórias sobre empresas. "Eu gosto de estudar os maiores, que é a forma que tenho de aprender e de desenvolver o meu toolkit e uma série de experiências. Uma coisa que acontece por estar aqui, um dos side effects [efeitos colaterais] de criar a Sword Health em Portugal é que não tenho uma rede de mentores, não tenho uma rede que me inspire, nunca tive, não tenho uma rede que me ensine nada. Por isso, vou procurar através da leitura, de podcasts, etc.. Eu absorvo tudo a partir daí."

Pergunto-lhe quanto tempo demorou então a Sword Health a chegar à avaliação de 2000 milhões de dólares. "Foi muito lentamente e depois muito rápido, que é assim que funciona, normalmente com startups que passam pelo caminho das pedras."

Em 2014/15 Virgílio fez o core da tecnologia-base no doutoramento e, quando terminou, lançou a startup para trazê-la para o mercado. Mas seguiram-se quatro longos anos sem tocar o mercado. Precisavam de uma tecnologia suficientemente robusta e validada clinicamente para poder dar este derradeiro passo, que aconteceu em 2020. "A nossa valorização foi de 0 a 20 milhões em cinco anos e, depois, foi de 20 milhões a 2 mil milhões - um crescimento de 100 vezes - em 20 meses." E a ambição continua para crescer nos próximos 5 a 10 anos. "Dado o nosso chamado product-market fit, ou seja, a tração do mercado face à solução que temos, não sou inocente quando digo que esta empresa pode valer 50 mil milhões. Há 50 milhões de americanos que têm dor todos os dias e precisam de uma solução. Se nós fôssemos solução para 10% destas pessoas, éramos uma empresa desse valor."

Estamos perto das 13.00 horas, sentados na esplanada do McDonald"s da Boavista, no Porto. Não há muita gente à volta, apesar do sol. Sentado à minha frente, vestido com calças de ganga e T-shirt preta, Virgílio ainda pouco tocou no Big Mac. Desde o primeiro minuto que nos tratamos por tu, surgiu naturalmente, mesmo que a dada altura me diga que é "uma pessoa muito fechada, muito reservada, não muito sociável", isso nunca se notou. Ele entusiasma-se com os pormenores da sua história, que em muitos momentos o fazem vibrar. "O poder e o dinheiro não mudam as pessoas, revelam as pessoas", diz. "E eu acho que sou isso. Sou feliz com a equipa de engenharia, com a equipa de algoritmos a discutir um problema ou um novo projeto. É o meu máximo de felicidade e toda a gente na Sword sabe disso. A analogia do futebol é muito interessante, tu vês os jogadores de futebol que são riquíssimos, etc., continuam a querer jogar porque é o jogo que lhes dá energia. Eu quero fazer isso, porque é isso que me dá energia. Portanto, eu não mudei minimamente." E não é por mais dinheiro que vai mudar. "Uma coisa que sempre foi clara, para mim, é que nós não somos adquiridos."

Apesar do fundador e CEO estar em Portugal, a Sword Health é hoje uma empresa norte-americana, desde 2019. "Honestamente, a razão para mudarmos foi porque em Portugal, na Europa, aliás, não há um regime de stock options [que dá ao trabalhador a a opção de compra de ações da empresa], e eu sempre acreditei que toda a gente que está na Sword devia ter, além do impacto humano, um impacto geracional na sua riqueza. Eu quero que a Sword seja a primeira empresa em que haja esse elevador social. A Sword tem uma cultura de trabalho árdua, e nós não temos vergonha nenhuma em dizer isso, mas para o exigir, tem de se dar a outra componente, que é uma recompensa. Eu tenho miúdos com 21, 22 anos quando entraram na Sword que, quando saírem, vão ter, no valor das ações, dois milhões de dólares à data de hoje."

Quantos milionários tens a trabalhar para ti, então? - pergunto-lhe de seguida. "Diria que, neste momento, temos à volta de 150 milionários na Sword, em 750 colaboradores. Estamos a falar de 150 [entre Portugal e EUA] que não tinham nenhuma riqueza geracional e agora têm. Histórias como a Sword em Portugal, que cresceram à velocidade que nós crescemos e que têm esta política de distribuição de equity, acho que não existem", dispara.

É raro parar para um almoço formal, diz-me Virgílio. Trabalha ininterruptamente desde que chega do ginásio ou do jiu-jitsu até às seis e meia da tarde - e mesmo a refeição é acompanhada, lá está, por trabalho. "Eu tenho necessidade de ter estas rotinas de forma a nunca falhar com os meus miúdos, que são a minha prioridade, fico com eles até às nove e meia, quando vão dormir. A partir daí começo a trabalhar outra vez. Mais do que uma simplificação, esta é uma standardização da forma como a minha vida pessoal funciona, para conseguir ser bem-sucedido na vida [profissional] e como pai."

"Temos 150 milionários a trabalhar na Sword, que não tinham riqueza geracional e agora têm"
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ilustração de andré carrilho

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