Temer parte em vantagem no dia que decide o seu futuro
No Brasil, o povo já diz que o impeachment é aquela altura do ano entre o Carnaval e o Natal, numa alusão à quantidade anormal de vezes - em 2016, com Dilma Rousseff, e em 2017, com Michel Temer - em que a Câmara de Deputados foi chamada a decidir o futuro do presidente da República. Mas nem a votação de hoje em Brasília é um impeachment nem o atual chefe do Estado está em posição tão delicada quanto a antecessora. Pelas contas do governo, da oposição e dos media, Temer deve sobreviver.
É à oposição - ou oposições, dada a falta de coesão dos grupos contrários ao presidente - que compete encontrar 342 parlamentares dispostos a levar Temer a julgamento, por corrupção passiva, no Supremo Tribunal Federal e, com isso, afastá-lo por 180 dias e substituí-lo pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Do lado do governo basta convencer um terço - 172 - dos deputados a votarem ou absterem-se.
E Temer, primeiro presidente acusado de crime comum no decorrer do mandato, tem feito o trabalho de casa: para garantir votos, gastou ao longo de meses o equivalente a um milhão de euros em emendas distribuídas a deputados indecisos para que estes invistam nos seus círculos eleitorais. E nas últimas horas reuniu-se com as poderosas bancadas suprapartidárias conhecidas como BBB - da Bíblia (evangélicos), da Bala (ex-militares) e do Boi (latifundiários). Terá concordado em transformar o aborto em crime hediondo, como quer a frente parlamentar bíblica, em esvaziar o estatuto do desarmamento, reivindicação da bancada da bala, e em legislar contra a demarcação de terras indígenas, para satisfação dos grandes proprietários rurais.
Assim, apesar de as sondagens revelarem que oito em cada dez brasileiros pretendem ver Temer sob investigação do Supremo, na Câmara dos Deputados pelo menos um terço deve optar pela continuidade. No entanto, não são irrelevantes as batalhas que esperam o governo: o procurador-geral, Rodrigo Janot, deve apresentar novas denúncias contra Temer, tendo por base o encontro secreto com o empresário Joesley Batista. A votação de hoje respeita apenas ao crime de corrupção mas o procurador tem ainda na manga crimes de organização criminosa e obstrução à justiça, supostamente também cometidos nessa reunião.
Além disso, Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, que, segundo o Ministério Público, Temer queria que Joesley silenciasse, já está a negociar acordo de delação no âmbito da Operação Lava-Jato. Com a impopularidade a bater recordes negativos - desde José Sarney, na década de 1980, que nenhum presidente tinha meros 5% - e a economia a demorar a reagir, a votação de hoje, mesmo que acabe por ser favorável a Temer, deve dar um descanso apenas provisório ao governo.
Em São Paulo