Televisão
Agora há um programa de TV chamado Os Novos Lavradores. Mostra jovens que foram para o campo, nunca saíram do campo ou, no dilema entre o campo e a cidade, escolheram o campo. Há quase sempre um namoro em perigo, um cão laborioso e uma mãe castigadora.
As minhas duas histórias preferidas, até agora, foram as de um rapaz que vivia numa rulote e se apaixonou por uma vaca e de outro que experimentou a lavoura, para corresponder às expectativas da família, mas sonhava com um emprego de colarinho branco. O que ele queria era ser leiloeiro de gado.
Isto passa-se em Inglaterra. Falta o dinheiro, mas não tanto. Nas entrelinhas, debatem-se core businesses e benchmarkings. Mas aqueles tipos sabem contar uma história. Nunca perdem de vista o rapaz que se apaixonou pela vaca 915 e se lembra dela à noite, na solidão da sua rulote.
"Eu hei-de amar uma pedra", ouvimos cantar ao longe. Parece que ouvimos. Depois o patrão tem de vender o negócio e a 915 vai a leilão como as outras.
Estão todos em teste, aqueles garotos. Provam-se perante a mãe, perante a fúria dos elementos, perante os clientes. E, enquanto se provam, nós questionamos a ideia de horizonte. A de mundividência. A de povoamento interior.
A de desígnio.
Mas a lavoura é tudo o que acontece para além do teste. Dos testes. A verdadeira lavoura faz-se das longas horas de silêncio, em que nem os elementos têm a decência de se enfurecer. Da manada que atravessa a planície sem que o lavrador possa dar-se ao luxo de amar mais um bicho do que outro.
O resto é o nosso olhar urbano, exigindo uma história. Também as contamos citadinas, para os rurais: nas novelas, nos shopings, no tuning. O mundo é menos desequilibrado do que pensamos. Simplesmente, apenas metade dele aparece na TV - mesmo quando julgamos ter dado espaço à outra metade.