Sessenta dias. Este é o prazo que o Parlamento agora tem para definir um articulado único de regulação do teletrabalho, processo que será conduzido a partir dos dez projetos que esta quarta-feira foram discutidos no Parlamento - e que baixaram à comissão de Trabalho sem votação..O agendamento deste tema, ontem, partiu do BE, tendo PS, PSD, PCP, CDS-PP, PAN, PEV e a deputada não inscrita Cristina Rodrigues (ex-PAN) apresentado iniciativas sobre teletrabalho mas também sobre o chamado "direito a desligar" (o direito de, a partir de certa hora, recusar ser contactado pela entidade patronal)..Citaçãocitacao"Esta bancada não acha que, só por ir para casa em teletrabalho, a empresa tenha de assumir todas e quaisquer despesas. Isso tem de ser matéria de acordo e tem que ser comprovado qual o acrescimento de despesa.".O grande tema que divide os partidos nesta matéria - PS e PSD para um lado e os restantes para o outro - é o do pagamento (ou não) pelo patrão das despesas extras que um trabalhador pode ter quando está em teletrabalho..O PS, pela voz da sua líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, foi muito claro. "Esta bancada não acha que, só por ir para casa em teletrabalho, a empresa tenha de assumir todas e quaisquer despesas. Isso tem de ser matéria de acordo e tem que ser comprovado qual o acrescimento de despesa", afirmou, acrescentando que a negociação coletiva deve ter um "amplo espaço" para que "defina setorialmente as condições específicas e precisas do teletrabalho". "Para o grupo parlamentar do PS, o teletrabalho só avança por mútuo acordo de ambas as partes",sendo que o partido "respeita e respeitará sempre a concertação social" e a "função legislativa da Assembleia da República, disse ainda a líder da bancada dos socialistas..Facebookfacebookhttps://www.facebook.com/canalparlamento/videos/501723517681858.À esquerda do PS, esta ideia é firmemente contestada. Pelo Bloco de Esquerda, José Soeiro, identificou no debate uma "clivagem essencial: de um lado, os projetos, como o do Bloco, que defendem que a lei deve consagrar direitos e obrigações, isto é, que deve ser imperativa, seja sobre a obrigação de pagar despesas, seja sobre equipamentos, seja sobre direitos dos trabalhadores com filhos menores, por exemplo. Do outro lado, os projetos do PS e do PSD que, em lugar de consagrarem obrigações, definem possibilidades.".Citaçãocitacao"A casa dos trabalhadores não é uma estação da empresa. É um espaço privado seu e da sua família.".O PCP, por exemplo, defende que as empresas devem assegurar o equivalente a, pelo menos, 2,5% do IAS (atualmente, esse valor ficaria em 10,97 euros por dia ao trabalhador, o que daria cerca de 220 euros por mês), para compensar o "acréscimo de despesas realizadas ou a realizar", nomeadamente com os "consumos de água, eletricidade, internet e telefone".."A casa dos trabalhadores não é uma estação da empresa. É um espaço privado seu e da sua família", defendeu a deputada comunista Diana Ferreira. Assim, para os comunistas, a lei deve consagrar um valor fixo de compensação pelas despesas, "rejeitando que estas responsabilidades sejam transferidas para os trabalhadores"..Citaçãocitacao"A proposta do PS é extremamente perigosa porque, à boleia de um acordo sobre o direito a desligar, cria um novo conceito separado do tempo de trabalho que é o tempo de contacto. Como assim? O tempo em que o trabalhador pode ser contactado? É o seu tempo de trabalho.".Segundo acrescentou, é preciso perceber que "uma relação de trabalho não é uma relação entre iguais". Ou seja, "o trabalhador é a parte mais frágil, que tem de ser protegido". Portanto, o empregado deve poder "rejeitar a proposta de teletrabalho" quando sente que não há condições para o fazer e sem ser penalizado por isso..O debate de ontem começou com o primeiro interveniente, José Soeiro, do BE, a acusar o PS de, numa matéria conexa com o teletrabalho - o chamado "direito a desligar", ou seja, o direito de os trabalhadores não serem contactados pela entidade patronal - ter uma proposta "extremamente perigosa".."A proposta do PS é extremamente perigosa porque, à boleia de um acordo sobre o direito a desligar, cria um novo conceito separado do tempo de trabalho que é o tempo de contacto. Como assim? O tempo em que o trabalhador pode ser contactado? É o seu tempo de trabalho. A menos que se queira criar paralelamente ao tempo de trabalho um tempo de disponibilidade não remunerada para ser contactado, que é diferente do tempo de trabalho. E, aí, estamos numa armadilha arriscadíssima na qual não devemos embarcar", afirmou o deputado bloquista..O PS propõe na parte do "direito de desligar" que o acordo de implementação do teletrabalho deve fixar o horário dentro do qual o teletrabalhador "tem o direito de desligar todos os sistemas de comunicação de serviço com o empregador, ou de não atender solicitações de contacto por parte deste, não podendo daí resultar qualquer desvantagem ou sanção"..No período de interpelações, a deputada do PSD Carla Barros defendeu que são necessários "alguns balizamentos na lei", estando o partido disponível para isso mesmo..No entanto, na perspetiva do PSD, não se pode "encurtar o caminho da Concertação Social e da negociação coletivas". "A pergunta ao Bloco de Esquerda é se está disponível a acompanhar o PSD nestas clarificações? Se está disponível para despir alguns preconceitos ideológicos com a concentração social", questionou..Para os sociais-democratas, os bloquistas terão outra escolha, que "é o caminho do PS", avisando que há um PS no parlamento que defende um caminho e depois há um PS no Governo que defende outro caminho para o teletrabalho..O Governo também participou no debate. O secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, admitiu "margem" para encontrar "soluções e equilíbrios" no Parlamento sobre a regulamentação do teletrabalho..Miguel Cabrita disse que "parte das linhas de reflexão" identificadas pelo Governo no Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho "encontram reflexo" em propostas em discussão no parlamento, nomeadamente na do PS, mas "outras também têm virtualidades", acrescentou..Embora estas propostas não sejam "inteiramente coincidentes" com o entendimento do Governo, "ainda assim" há "margem para encontrar as soluções e equilíbrios que respondam a vários dos desafios que se colocam", disse. Para o secretário de Estado, o debate no parlamento deve ser feito "com tempo, com ponderação e profundidade e com equilíbrio dos diferentes valores", salientando que o trabalho à distância tem riscos e oportunidades..joao.p.henriques@dn.pt