Tecnologia ao serviço do cérebro

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De uma forma geral estar doente é triste e assustador. Doenças há, no entanto, que nos atemorizam particularmente, pela sua reputação de agressividade ou então pela sua localização em locais mais recônditos ou privados do nosso ser.

Este é bem o caso dos tumores cerebrais que crescem ferindo o órgão que nos define e distingue como pessoas singulares, e confere as características, boas e más, em que nos reconhecemos e os outros a nós.

Não será a luta contra um inimigo desta fortitude um exercício fútil e que apenas expõe o doente a mais riscos e sacrifícios?

A resposta a esta questão era até há algumas décadas atrás, difícil, dada a incerteza dos resultados obtidos com os tratamentos disponíveis.

A realidade mudou radicalmente e é hoje seguramente outra, bem mais animadora e esperançosa. O tratamento dos tumores cerebrais, onde a cirurgia releva um papel absolutamente central, consegue frequentemente travar a progressão da doença, reverter sintomas e recuperar normalidade de vida e, nalguns casos, obter uma cura efetiva do tumor.

O que foi então que tornou possível este avanço significativo quanto às expectativas de tratamento e prognóstico dos doentes com tumores cerebrais?

Em primeiro lugar, o nosso conhecimento sobre a anatomia e funções do cérebro tem vindo a aumentar, o que, a par dos avanços tecnológicos registados, tem permitido melhorar o grau de sofisticação e segurança das operações ao cérebro.

Um dos grandes contributos tem-se registado no capítulo do diagnóstico de imagem, tanto na Tomografia Axial Computorizada (TAC) mas em especial com a Ressonância Magnética Nuclear (RMN), que nos permitem caracterizar de forma extremamente detalhada o tamanho, a localização do tumor e as suas relações de proximidade com estruturas nervosas ou vasculares relevantes, bem como as zonas do cérebro que possam apresentar maior eloquência, como é o caso da linguagem e também da motricidade.

Uma das técnicas de que dispomos, em particular, para um correto planeamento da cirurgia e dos restantes tratamentos em geral é a RMN functional. Este exame permite identificar as áreas cerebrais eminentemente relacionadas com a linguagem e o movimento na superfície do cérebro por forma a calcular uma trajetória de ataque ao tumor que poupe estas mesmas regiões.

A neuronavegação é outro equipamento essencial, baseado na tecnologia GPS e que associa os dados obtidos através da TAC ou RMN ao registo dos elementos anatómicos do crânio, permitindo elaborar em tempo real e com uma precisão milimétrica uma imagem do local onde nos encontramos e para onde nos dirigimos enquanto operamos. Assim se garante uma maior precisão na localização de anatomia nem sempre óbvia e por vezes mesmo encoberta pelo tumor, aumentando a segurança da intervenção.

Esta tecnologia é também utilizada com regularidade na orientação de biópsias, bem como na implantação de estimuladores cerebrais - como é o caso das doenças do movimento, tipo Parkinson.

Ainda assim, e apesar de dispormos de toda esta informação antes de se iniciar a operação, casos há em que os doentes são operados enquanto permanecem acordados e a falar com o cirurgião. Esta técnica não é recente mas tem sido claramente melhorada com a possibilidade de estimular eletricamente áreas do cérebro que queremos remover ou manipular. Desta forma consegue-se diminuir o risco de lesão de áreas importantes.

A remoção cirúrgica dos tumores é feita dissecando o tumor e preservando meticulosamente a anatomia normal em torno do mesmo. O aspirador ultrassónico, que fragmenta e aspira o conteúdo tumoral, é outro aparelho que ajuda o cirurgião na sua tarefa.

Estas e outras técnicas são usadas nos dias de hoje de forma rotineira na cirurgia dos tumores cerebrais. No entanto, não existem resultados bons se não assentarem num conhecimento e prática cada vez mais apurada e exigente da anatomia e técnica cirúrgicas, o que só se obtém com grande disciplina, acumulação de casos e uma boa dose de virtuosismo.

Nem todos os tumores necessitam ou podem ser removidos cirurgicamente. Em alternativa ou em complementaridade com a cirurgia, em alguns casos, utilizam-se técnicas de irradiação do tumor que com uma enorme precisão asseguram uma dose muito elevada no tumor preservando as áreas normais adjacentes. É a chamada Radiocirurgia, que conhece na Gamma Knife uma versão tecnologicamente muito avançada e exclusivamente dedicada à patologia intracraniana tumoral e não só.

Por fim, é de referir também o papel dos chamados tratamentos adjuvantes à cirurgia, habitualmente a radioterapia e a quimioterapia. Estas técnicas são aplicadas com frequência nos tumores com comportamento agressivo ou maligno e têm como objetivo travar o crescimento dos tumores ou prevenir o seu reaparecimento em locais de onde foram extraídos cirurgicamente ou mesmo à distância.

Para garantir a maior probabilidade de sucesso terapêutico, estas várias modalidades de tratamento devem ser planeadas e sequenciadas cuidadosamente, havendo necessidade para muitas destas doenças que se tornam crónicas, revisitar periodicamente todos os dados do caso clínico em tratamento. Isto, por forma a garantir uma visão multidisciplinar da doença, ela própria conjurando saberes e orientações por parte de várias especialidades (Neurocirurgia, Neurologia, Oncologia, Radio-Oncologia, Neuroradiologia, Neuroreabilitação, Neuropsicologia, Neurofisiologia, entre outros).

Aproveito para referir que o facto de estarmos a viver uma pandemia não tem impacto na segurança com que se pode e deve consultar estes saberes ou realizar os exames e tratamentos necessários para o diagnóstico e terapêutica da doença tumoral. É neste momento importante salientar que as unidades de saúde respeitam as orientações de segurança da Direção Geral de Saúde, não devendo por isso adiar a ida ao hospital por receio de contágio.

Finalmente, quero também salientar o aspeto fundamental que os familiares do doente com tumor cerebral desempenham. É essencial explicar corretamente, com exatidão mas com sensibilidade, a natureza do problema que estamos a tratar, tanto ao doente como aos seus familiares próximos. Eles serão sempre muito importantes no apoio ao doente tanto na fase aguda do tratamento como ao longo do tempo em que a doença se desenvolve.

Neurocirurgião nos Hospitais CUF Infante Santo e CUF Cascais e Clínica CUF Almada

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