"Pássaros", o nome do espetáculo comunitário em 'drive-in', inspira-se no realismo mágico, da literatura latino-americana, e é dirigido por Miguel Jesus e João Neca. .Criado no âmbito do projeto europeu Platform Shift+, uma rede que congrega 11 companhias de teatro de nove países diferentes, o espetáculo foi gizado com base na ideia do voo dos pássaros, porque os pássaros "conseguem voar e emigrar sem barreiras, não há fronteiras", explicou à agência Lusa o responsável pela dramaturgia e encenação, João Neca..A Europa "devia ser um espaço de voo. De voo saudável, de passagem de um lado para outro", realçou. Contudo, sabemos que, nos últimos anos, há cada vez mais barreiras a esse voo, que impedem que as passagens sejam feitas com a naturalidade que a natureza tem", argumentou..Não é assim de estranhar que "Pássaros" espelhe as preocupações deste coletivo de teatro, com sede em Palmela, em relação aos movimentos migratórios que se vivem na Europa e à rejeição de alguns países a esses movimentos, referiu..Rejeição ao que é diferente de nós, mas, sobretudo, rejeição a pessoas, sustenta, sublinhando que "nunca é demais lembrar que o que está em causa são pessoas, são seres humanos"..Para contar esta história sobre como lidamos com o que é diferente de nós - quer seja por via da língua, da orientação sexual, da cor da pele, das diferenças de hábitos e costumes, numa sociedade que, embora individualista, está, todos os dias, a normalizar os seres humanos -, João Neca e Miguel Jesus conceberam um espetáculo assente em várias alegorias..A perda de identidade do ser humano leva também à perda de individualidade, argumenta. E saber "lidar e aceitar a diferença (...) é um caminho para ter um pensamento individual mais crítico, para estar mais emancipado socialmente", enfatiza..Mas como esta peça também fala da "verdade atual e da pós-verdade", ou seja, "de quem chega primeiro à notícia e não de quem está preocupado em relatar os factos ou a verdade dos factos" - outro problema com que a sociedade se confronta atualmente, nas palavras de João Neca -, a narrativa começa com um vídeo que é exibido na sede de O Bando, que transmite uma "espécie de 'fake news'" a relatar o aparecimento de um animal estranho e enorme num quintal da localidade..Alarmados com a notícia, os espetadores e os atores comunitários, formados por O Bando, começam a aventura. Parte-se para o 'drive-in', com transmissão em direto numa frequência FM, com a voz do jornalista Fernando Alves, até um terreno ermo e inóspito perto do castelo de Palmela, onde os carros ficam estacionados à volta de um círculo - como se de uma arena tratasse, até porque se vai assistir a uma espécie de circo..E que "circo" é esse? O que Paulo (Paulo Lima) e Manuela (Manuela Sampaio), dois não-atores que representam o casal dono do quintal onde caiu o animal estranho, montaram para ganhar dinheiro à conta do fenómeno. O espetáculo a que acorrem os habitantes da aldeia, protagonizados pelos atores comunitários, que têm frequentado oficinas e ateliês de formação de O Bando..No centro do círculo vê-se um buraco enorme, onde se esconde o pássaro-anjo - Simurgui -, interpretado por Guilherme Noronha, e onde os populares vão acorrendo, ora com curiosidade, ora com medo, ora com vontade de o expulsarem..Personagens absurdas, excêntricas, loucas, de um ridículo extremo, refere João Neca, justificando que o facto de os espetadores não estarem numa sala fechados, obriga a uma corporalidade e a uma 'fisicalidade' exacerbada. Mas também personagens excêntricas, "porque correm atrás de verdades que nos são impostas todos os dias, e das notícias virais", argumenta..Pela arena - onde irão representar perto de cinquenta pessoas - estará ainda Raul Atalaia, outro ator profissional de O Bando, e seis saxofonistas, da equipa do Festival Internacional de Saxofone de Palmela..E porque o espetáculo assenta também numa lógica de mediação, em que os espetadores estão a receber, como verdade, a transmissão que lhes chega pelo rádio, nem sempre as cenas vividas na arena coincidem com a transmissão radiofónica. .É mais uma alegoria para os dias de hoje, em que o que conta "é o 'click bite', a primeira verdade, ou a pós-verdade" de quem chega à notícia, observa João Neca, numa crítica à voragem de informação com que "somos assoberbados diariamente",.Já em apoteose e quando o público não consegue perceber onde está Simurgui - e quando este se torna um mero ponto no horizonte, como diz uma das falas da peça - eis que a rádio emite outra notícia. ."Em Vale dos Barris, uma filha que desobedeceu aos pais, está a transformar-se numa aranha", "noticia" Fernando Alves. .Os espetadores voltam então, em caravana, à sede do coletivo de teatro, para assistirem a um vídeo com o fenómeno..Desta peça, que mobiliza vários elementos da comunidade entre os quais o Grupo de Teatro de Vale dos Barris, que começou a frequentar as oficinas de O Bando há quatro anos e que já formou um grupo próprio, irá também sair uma parceria entre O Bando e o Festival de Saxofone de Palmela..Com texto coletivo inspirado no realismo mágico, a dramaturgia e encenação de "Pássaros" são de João Neca e Miguel Jesus, numa cocriação com Guilherme Noronha..A música original é de Jorge Salgueiro, o figurino de Simurgui, da fotógrafa e figurinista italiana Annamaria Cattaneo, o figurino do restante coletivo, de Clara Bento, a conceção cenográfica, de Rui Francisco, o desenho de vídeo, do inglês Ed Sunman, e o apoio à coordenação musical de João Pedro Silva.."Pássaros" conta com a participação comunitária de, entre outros, Ana Correia, Belisa Sequeira, Cristina Sampaio, Edgar Costa, Filipe Freire, Gil Sidaway, Henrique Resende, Isabel Santos, Katsiaryna Drozhzha, Matilde Andrade, Rita Santana, Sara Baptista e Tiago Sousa.."Pássaros" é uma coprodução do Teatro O Bando, Teatro dos Barris, com o Elsinore Centro di Produzione Teatrale (Itália), o Pilot Theatre (Reino Unido) e o Festival Internacional de Saxofone de Palmela, em parceria com a Sociedade Filarmónica Humanitária, o Conservatório Regional de Palmela e o quarteto Artemsax..A peça estreia-se no dia 14, quinta-feira, vai estar em cena até 01 de julho, com espetáculos de quinta-feira a domingo, às 21:00.