Teatro de Ferro e Sonoscopia levam a palco concerto encenado com orquestra robótica
No início do concerto, algumas batas de trabalho transparentes tapam instrumentos musicais da Orquestra Robótica Disfuncional, num placo que é "uma gruta de prodígios mecânicos e luminosos", esclarece o encenador, que é também cenógrafo e dramaturgo de "W".
"Há sempre qualquer coisa de encantatório nos mecanismos e nas máquinas, que são uma forma muito humana de magia", explica Gandra, fundador da companhia Teatro de Ferro, sobre as personagens principais do concerto: as marionetas que são máquinas.
O concerto robótico toca em "questões agudas", explica: "Porque é que trabalhamos? Porque é que as coisas são como são? E de que forma é que há vidas inteiras gastas de um certa maneira, numa certa tarefa, ou num conjunto de tarefas?".
"As pessoas esforçam-se para criar 'robots' cada vez mais parecidos com as pessoas, mas ao mesmo tempo elas próprias ficam mais robotizadas", diz o dramaturgo de uma peça com nove atores em palco.
Para o encenador, o mais importante nesta peça é a exploração do conceito da "máquina" com ajuda das marionetas. "A máquina coloca-nos sempre a questão sobre o que é que nos torna humanos. E a marioneta também coloca essa interrogação, mas de uma forma diferente, de uma forma muito própria".
Num concerto em que as personagens são acompanhadas por sons mecânicos, as marionetas são as figuras em palco que conseguem ter os movimentos mais humanos. "A marioneta é ela própria uma máquina, um engenho simples, mas não deixa de ser um engenho", afirma.
O encenador aponta para um telemóvel e esclarece que o concerto aborda a escravidão dos humanos perante os objetos tecnológicos: "A tecnologia trazia uma série de promessas que não foram cumpridas, como por exemplo, mais tempo livre para nós. E, na verdade, nós estamos escravizados porque estamos dependentes de um aparelho qualquer que nos diz o que fazer. Há tecnologias que nos iriam libertar e nos tem vindo a escravizar".
"O concerto é excessivo, mas a mim agrada-me muito esse excesso porque é uma tradução justa do modo como o mundo funciona", resume o encenador à Lusa.
O concerto que conta com marionetas, atores, a orquestra robótica e vídeo, teve início em 2015 com a Phobos, um conjunto de pequenos 'robots' e dispositivos de geração automática de música que se agregam numa Orquestra Robótica Disfuncional, ou seja, uma orquestra de instrumentos musicais com comportamentos mecânicos.
"No início do projeto desenvolvemos um instrumento que seria totalmente automático, ou seja, controlado por um computador e que não necessitava de nenhum interveniente humano. Mas como sabíamos que isso colocava alguns problemas em termos de apresentação, porque tinha alguma frieza, distância e falta de humanidade, fomos planeando um conjunto de espetáculos e de obras onde integramos elementos humanos", explica o responsável pela conceção e gestão do projeto, Gustavo Costa.
À Lusa, Gustavo Costa, responsável também pela construção dos instrumentos musicais, explica que "alguns dos instrumentos foram agrupados de forma pouco convencional, ou seja, foram agrupados segundo classes sociais, e representam várias classes de trabalho, como por exemplo, a classe operária e o clero. "
O responsável pelo apoio à eletrónica e programação, Tiago Ângelo, revela, por seu lado, que a sincronização de todos os instrumentos foi uma dificuldade na produção do concerto. "Mergulhamos numa vertigem de trabalho para estar aqui".
O concerto estreia-se hoje no auditório do Teatro do Campo Alegre às 21:00 e repete no sábado, às 21:00.
"W" vai também a cena a 04 e 06 de abril no Festival Palheta, em Ílhavo.