Taxas de juro no crédito à habitação podem estar em 1% em 2025 

Depois de cerca de seis anos com valores negativos, a tendência de evolução das taxas inverteu-se, sendo agora de ascensão. Impacto do aumento da Euribor nos créditos à habitação poderá começar a sentir-se, ainda que muito ligeiramente, já no final deste ano.
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Com a inflação a aumentar no mundo e, em particular, na zona euro, a pressão para uma revisão da política monetária europeia tem sido grande. Ao registar-se, na União Europeia, uma taxa de inflação de 5,1% em janeiro e uma previsão em alta para 2022 e 2023, Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), admite que a inflação poderá manter-se em alta por mais tempo e não exclui, assim, uma subida das taxas de juro. Analistas consultados pelo DN/Dinheiro Vivo entendem que estas subidas são inevitáveis e que o impacto que terá na Euribor, o indexante utilizado para a concessão de crédito à habitação, poderá começar a sentir-se, ainda que muito ligeiramente, já no final deste ano.

Pedro Pita Barros, economista e professor da Nova SBE, refere, a propósito: "Creio que é razoável esperar uma subida das taxas de juro ainda este ano. Provavelmente depois do verão, quando se souber um pouco mais sobre a evolução da atividade económica, da inflação e de como a pandemia ainda, ou já não, será uma preocupação também nas políticas orçamentais." Quanto à Euribor, o mesmo economista entende que poderá entrar em terreno positivo no segundo semestre deste ano, mas acredita que o BCE terá uma intervenção que não comprometa a recuperação económica, mesmo que tal não seja publicamente reconhecido.

Contudo, não acredita que as famílias sintam já um forte impacto na subida das suas prestações. "Durante este ano, não creio que venha ainda a ter impacto muito relevante nos créditos à habitação, pois para isso teria que haver uma alteração forte na política que tem vindo a ser seguida, no sentido de uma alteração súbita e quantitativamente elevada das taxas de referência", afirma.

Também Pedro Lino, CEO da Optimize Investment Partners, que acompanha os mercados, entende que há uma clara inversão da tendência descendente das taxas de juro e que o ciclo de financiamento barato está a terminar. "As taxas de juro vão começar a subir, mas será de uma forma mais lenta e gradual do que nos Estados Unidos ou em Inglaterra. O BCE poderá subir as taxas até três vezes este ano, em pequenos montantes de 0,1 pontos percentuais. Se, neste momento, as taxas estão a menos 0,5%, em dezembro poderão estar em 0,2% negativos", afirma. E, nesse sentido, a Euribor, sobretudo a 12 meses - as a três e a seis meses não terão impacto para já -, começará a dar sinais de subida.

"Em Portugal, os bancos têm usado mais o indexante a 12 meses, e este já começou a subir, chegando aos 0,42% negativos, e, apesar de pouco significativo, vai ter um impacto ligeiro no aumento das prestações do crédito à habitação a partir da segunda metade de 2023, o que se prolongará em 2024. Lá para 2025, quando as taxas já estiverem a níveis de 0,5% ou até 1%, o impacto no crédito à habitação vai ser grande. Para quem tenha um spread de 1%, se o indexante subir para 1%, vai representar o dobro da taxa de juro", explica o analista.
Acrescenta que "a partir de 2025 temos de nos preparar para um esforço adicional no crédito à habitação. Até lá, vamos ter subidas ligeiras, mas a inversão da tendência é já muito clara".

Para Carlos Andrade, economista chefe do Novo Banco, "o BCE tem razões para ser mais paciente do que a Fed ou o Banco de Inglaterra na retirada de estímulos monetários". E explica: a subida da inflação na zona euro tem uma explicação diferente da observada, por exemplo, nos EUA e no Reino Unido. "Na zona euro, esta subida recente da inflação está a ser acentuada pela componente de energia, que explica cerca de 60% do registo de inflação e que tende a ser vista como temporária. A subida dos salários mantém-se contida - sobem menos de 2%, mas nos EUA este crescimento é de 4,5%", explica.

E adianta que, ainda assim, a inflação em 2022 deverá manter-se acima dos níveis pré-pandemia, logo o BCE também vai querer normalizar a política monetária, começando por reduzir as compras de dívida. Isto significa um menor suporte às taxas de juro de mercado de longo prazo, sendo provável que o banco possa então subir os juros de referência. "Se não houver surpresas, esta decisão pode ocorrer no final de 2022 ou início de 2023, mas de forma gradual. Porém, o mercado tenderá a antecipar estes movimentos, pelo que as taxas Euribor deverão exibir uma tendência de subida já ao longo deste ano. Em termos médios anuais, a Euribor a três meses deverá ainda ser negativa em 2022. Mas para o próximo ano o mercado antecipa uma média anual positiva, com tendência de subir adicionalmente até 2024", estima Carlos Andrade. Para este economista esperam-se juros de mercado mais elevados, ainda que em níveis relativamente baixos, com expectativa de que a média anual da Euribor a três meses, em 2024, seja ainda inferior a 1%. Como as condições do crédito à habitação em Portugal são maioritariamente indexadas à Euribor, esta subida tenderá a ser refletida no valor das prestações.

A mesma opinião é reforçada por Cláudio Santos, chief commercial officer da Doutor Finanças, empresa que apoia famílias nas suas decisões financeiras. "O expectável é que as taxas de juro comecem a subir de forma progressiva, para refletir a inflação e a evolução da economia. Depois do abalo provocado pela pandemia, as economias da zona euro começam a dar sinais de recuperação. Esta evolução, se se confirmar e se for consistente, deverá dar margem para que o BCE comece a retirar alguns estímulos económicos. Neste contexto, é de esperar que as taxas Euribor comecem progressivamente a subir."

"A política monetária é implementada de forma gradual, para que não tenha um efeito adverso na economia, por isso penso que a variação sentida será reduzida", acredita Cláudio Santos. Em jeito de ilustração do impacto das subidas, este especialista dá um exemplo: "Um crédito de 100 mil euros que esteja com uma TAE (spread e Euribor) de 1% e a que faltem 30 anos para concluir o contrato atualmente tem uma prestação que ronda os 322 euros. Se os juros passarem para 2%, esta prestação sobe 47,98 euros."

Já Nuno Rico, economista da Deco, afirma que a subida das taxas de juro vai ter impacto no rendimento disponível das famílias, já que em Portugal cerca de 95% dos créditos à habitação são a taxas variáveis. "O valor médio de financiamento tem vindo a aumentar, o prazo tem vindo a alargar, apesar das recomendações do Banco de Portugal para a sua redução, o que quer dizer que basta um pequeno ajuste para que muitas famílias possam entrar em dificuldades", estima.

"Se calhar, nesta fase seria bom as famílias ponderarem uma taxa fixa, o que permite saber qual é o encargo que terão durante todo o período do crédito", afirma Pedro Lino. Os bancos têm vindo a reforçar a sua oferta de taxa fixa, mas esta modalidade apenas representa 10% dos novos contratos, explica Nuno Rico. Segundo ele, "são poucos os produtos que preenchem a totalidade da maturidade do empréstimo e a nossa recomendação é que, se a maturidade for inferior a 20 anos, a probabilidade de aquele valor que pagamos a mais na taxa fixa ser compensado pelas oscilações da Euribor é muito menor". Por isso a taxa fixa será uma boa opção para contratos com uma duração de, pelo menos, 20 anos. "A maior parte das ofertas são de taxa mista, em que a componente de taxa fixa vai só até aos 10 anos, e por isso temos vindo a dizer que a taxa variável é ainda a alternativa mais barata", afirma. Contudo, para quem lida mal com esta revisão semestral ou anual das taxas e tem receio das oscilações, então é uma boa altura para optar pela taxa fixa.

Contactados os cinco maiores bancos sobre o aumento das taxas de juro e a possível readequação da sua oferta, apenas o BPI revelou a sua estratégia. Alberto Jorge Torres, diretor da área de Marketing Particulares/Crédito à Habitação, afirma que "o BPI foi o primeiro banco a lançar o crédito indexado e é agora também o primeiro a ter uma proposta de taxa fixa que se estende por um prazo de 40 anos". Adianta que esta instituição lançou, em meados do ano passado, o BPI Taxa Fixa, que se aplica ao longo de todo o contrato. "O cliente pode optar por uma operação de taxa variável ou fixa, e retirámos as taxas mistas desta equação, conferindo a certeza de que a prestação não mexe. Quem fizer hoje um crédito de 130 mil euros a 40 anos com um spread de 1,1%, e se a Euribor subir para 1,5% o impacto da subida na prestação é grande. Daí que seja muito importante defender as famílias destes movimentos e garantir a estabilidade da prestação", afirma Alberto Jorge Torres. "Temos registado imensa procura. A contratação em taxa fixa já representa um quarto dos novos contratos", explica.

Por outro lado, Cláudio Santos, da Doutor Finanças refere que "não temos sentido uma procura maior por taxa fixa. Temos sempre clientes que se preocupam e tentam perceber o que pode ser mais vantajoso". Mas a decisão de ser taxa fixa ou variável deve ter em consideração vários fatores, como o perfil do cliente: se privilegia a estabilidade ou se prefere pagar menos no imediato, ou se está a comprar uma casa para viver durante dois anos e depois a vai vender. Aqui a taxa fixa não será a mais adequada. Isto porque no momento em que a vender e tiver de saldar o empréstimo junto do banco terá de pagar uma comissão de reembolso antecipado de 2% do capital em dívida. Já se o contrato estiver associado a uma taxa variável, a comissão é de 0,5%.

Os especialistas reforçam a importância de o cliente prestar atenção à Fine - Ficha de Informação Normalizada Europeia, entregue com a proposta de financiamento, e que, entre outras informações, simula um aumento da prestação caso as taxas de juro subam para valores médios dos últimos anos.

O Banco de Portugal veio reforçar recentemente as recomendações de 2018 de que a maturidade média dos contratos de habitação não deveria ultrapassar os 30 anos e quer que apenas proponentes com menos de 30 anos possam prolongar o prazo para um máximo de 40 anos. Isto para assegurar que as famílias não continuem presas a um crédito à habitação depois da idade da reforma. "Em Portugal cerca de 40% de créditos à habitação vão terminar já depois dos 70 anos de idade. Isto é uma preocupação, porque depois da idade da reforma há uma quebra de cerca de 50% do rendimento familiar e poderá criar dificuldades acrescidas às famílias", afirma Nuno Rico, especialista da Deco. "Por isso, aconselhamos que a maturidade do crédito não deve ultrapassar os 30 anos de contratação, para que, em caso de ser necessário, existir uma margem de negociação, e também aconselhamos a não ultrapassar os 35% da taxa de esforço", diz Nuno Rico.

dinheirovivo@dinheirovivo.pt

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