Tate junta cinema e surrealismo de Dalí
Tão entusiasmado com a fotografia e o cinema como os primeiros modernistas, Salvador Dalí conseguiu trabalhar com aqueles que considerava os três grandes nomes do Surrealismo nos Estados Unidos: Hitchcock, Walt Disney e os irmãos Marx. Dos confins da sua imaginação delirante saíram, para guiões, storyboards e estudos, figuras derretidas, relógios, formigas em fuga e pianos suspensos sobre pares de bailarinos num salão. Mas só com Hitchcock e Spellbound (A Casa Encantada) Dalí chegaria ao grande ecrã. A sua arte era demasiado excêntrica e cara para o gosto dos produtores de Hollywood.
Já considerada pelo Financial Times como "a mais aprazível, inteligente, original, espantosa e didáctica" das exposições da Tate Modern nos últimos cinco anos, "Dalí & Film/Dalí e o Cinema" recupera essa relação do pintor espanhol com o mais poderosos dos meios para comunicar a sua visão do mundo. E apresenta a versão século XXI de Destino, a curta-metragem, inspirada numa balada do mexicano Armando Dominguez, que em 1946 foi abandonada por falta de verbas.
Walt Disney, que já trabalhara com artistas plásticos em Fantasia (1940), conheceu Dalí em 1945 num jantar em casa de Jack Warner, um dos mais importantes patrões da indústria cinematográfica. E entenderam-se de imediato. O mestre da animação destacou o desenhador John Hench para trabalhar na história com o pintor e, em oito meses, eles produziram 15 pinturas e cerca de 135 esboços. Fizeram mesmo um teste de 18 segundos. Mas nunca escreveram o guião.
Mais de meio século depois, o sobrinho de Walt, Roy Disney, projectou algumas dessas imagens quando Bette Midler apresentou a cópia restaurada de Fantasia. Foi logo contactado por um advogado: segundo a lei, essas imagens só seriam propriedade da Disney se o filme fosse concluído. Foi assim que, em 2003, se acabou finalmente Destino, com a preciosa ajuda de John Hench. Dura sete minutos e "tem muito a dizer-nos acerca do estado do mudo, com todos aqueles globos oculares a observar, disfarces defensivos e máscaras", afirmou ao The Guardian Roy Disney.
O artista no seu mundo
Destino, tal como A Casa Encantada ou Un Chien Andalou, feito em 1928 em parceria com Buñuel têm lugar de destaque em "Dalí & Film", num ciclo de cinema que inclui ainda Uma Noite na Ópera, dos irmãos Marx (que o pintor tentou convencer a interpretar o seu Giraffes on Horseback Salad, de que se exibem cenários) ou Dalí in New York (que junta um documentário de Jack Bond para a BBC e imagens captadas nos anos 60 por Jonas Mekas).
Mas a exposição, tal como se pode ler no site da Tate (www.tate.org.uk), não se reduz aos projectos cinematográficos. O curador, Matthew Gale, procurou apresentar uma perspectiva abrangente do universo de Dalí, reunindo em Londres muitas das obras que o público reconhece de imediato. Caso das pinturas A Persistência da Memória e Shirley Temple -o mais jovem e sagrado monstro do cinema no seu tempo ou do Telefone-Lagosta.
Nas 14 salas ocupadas, até 9 de Setembro, por "Dali & Film", estão também pinturas de juventude sobre os bordéis de Madrid, manuscritos (como Os Mistérios Surrealistas de Nova Iorque, 1935), retratos de Harpo Marx e Picasso, correspondência com Lorca e Buñuel, o Livro das Veias Varicosas, os screen tests de Andy Warhol feitos com Dalí em 1966 ou o seu filme Impressões da Alta Mongólia, de 1976, realizado por José Montes Baquer.
Com obras da Fundação Gala- -Salvador Dalí e de museus como o Reina Sofia, Guggenheim, MoMA e Tate, a mostra seguirá depois para os EUA. Até Setembro de 2008 vai a Los Angeles (Museu de Arte), St. Petersburg (Museu Salvador Dalí) e Nova Iorque (MoMA). |