Tarek Aziz O cristão que mudou de nome
"Deixem que o prendam. Não é importante para mim", desabafou Selma Dawood, ao falar em 2003 com o jornalista do New York Times. A então viúva de 75 anos referia-se ao sobrinho e ao homem que, durante décadas, fora o principal rosto e voz de Saddam Hussein no Ocidente: Tarek Aziz. Dawood não poupou, então, críticas ao sobrinho que, afirmou, apesar de ser cristão nada fez para melhorar a situação dos cristão - cerca de quatro por cento da população iraquiana.
Selma Dawwod não seria a única a criticar Tarek Aziz, principalmente depois do Iraque ter sido invadido pelas tropas americanas e tendo em conta que ela falava com um jornalista americano. Mas, quem é, afinal, Tarek Aziz? Nasceu numa família pobre da comunidade cristã caldeia, no Norte do Iraque, que o baptizou como Michael Yuhanna - nome que o próprio mudaria, mais tarde, para Tarek Aziz por recear ser alvo privilegiado de represálias por parte dos muçulmanos, maioritários no país. Em 1980, é alvo de uma tentativa de atentado perpetrada por fundamentalistas islâmicos, presumivelmente por ser cristão. Aliás, este incidente foi um dos argumentos invocados por Saddam Hussein para lançar a guerra contra o Irão.
O pai, empregado de mesa, mudou-se para Bagdad quando Aziz era ainda muito jovem e levou-o consigo. É na capital que cresce, estuda e se associa, desde muito cedo, ao Partido Baas. Licenciado em Literatura inglesa, foi professor de inglês - língua que dominava na perfeição e quase sem sotaque -, depois foi jornalista e editor em várias publicações.
Os anos 60 assistem à sua entrada no Partido Baas e ao início da sua relação com Saddam Hussein. A amizade entre os dois homens será de tal ordem que Aziz não hesitará em dar o nome do ditador a um dos seus filhos. Anos mais tarde, mais concretamente após a queda do regime na sequência da invasão americana, previdente, aconselha a esse mesmo filho: "Deixa de ser Saddam."
O agora "Oito de Espadas" do baralho americano, foi um dos companheiros constantes de Saddam: em 1974, tornou-se membro do poderoso Comando Regional do partido e em 1977, como membro do Conselho do Comando da Revolução, é-lhe atribuída a pasta da Informação. Em 1979, Tarek Aziz é nomeado vice-primeiro-ministro e quatro anos depois assume a chefia do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cargo que ocupa até 1991 e, por um curto período de tempo, em 2001.
Na prática, o homem de voz suave, sorriso fácil, com óculos de lentes grossas e o eterno charuto, era, de facto, o chefe do Governo do Iraque: Saddam, que acumulava a presidência com a chefia do Executivo, por razões de segurança raramente saía do país para assistir a cimeiras, deixando esse papel a Tarek Aziz.
Como chefe da diplomacia, defendeu, em 1990, a invasão do Koweit como a única atitude possível de Bagdad face ao continuado "roubo de petróleo" . Mas, segundo várias fontes, Tarek Aziz não terá concordado em absoluto com a decisão que considerou "pouco acertada".
Presume-se, porém, que nunca terá ousado defender tal posição em voz alta e junto do próprio Saddam. Mas a sua determinação na defesa do seu país, levou à exasperação do então secretário de Estado do EUA, James Baker. No último encontro que tiveram para tentar evitar a guerra, Baker - face à posição de Bagdad - não hesitou em afirmar "vamos bombardear-vos de tal modo que irão voltar à Idade Média". Aziz, limitou-se a sorrir e a garantir que o Iraque estava pronto.
Após o 11 de Setembro e quando era óbvio que os Estados Unidos iriam atacar de novo o Iraque, Aziz foi peremptório em afirmar que tal guerra não se prendia com a armas de destruição maciça porque essas não existiam e o programa da fabrico das mesmas fora destruído após a primeira guerra do Golfo. Para ele, tratava-se não de uma mudança de regime mas de "uma mudança regional. Trata-se do petróleo e de Israel".
O "Oito de Espadas" foi o segundo ministro de Saddam a render-se, em Abril de 2003. Recusou sempre depôr contra os seus pares. E agora é ele que está no banco dos réus. Esta semana entrou no tribunal apoiado numa bengala, emagrecido, frágil, sem sorriso . Numa voz cansada, pontuada por uma tosse insistente, Tarek Aziz pediu autorização para arranjar um novo advogado. O presidente do tribunal, o juiz curdo que condenou Saddam Hussein à morte, decidiu adiar o processo.|