TAP: O propósito de fazer melhor
Foi útil a comissão parlamentar de inquérito à TAP. Mostrou a realidade da gestão das empresas públicas tal como esta verdadeiramente é, com todas as suas falhas, os seus limites, os enormes impactos financeiros das opções políticas, o voluntarismo dos protagonistas para o melhor e para o pior, a vertigem das decisões de grande alcance tomadas tantas vezes em cima do joelho e sem a devida ponderação de alternativas, a coexistência entre racionalidade e profissionalismo com situações de flagrante falta de bom senso.
Este processo teve também o mérito de reavivar o tema incontornável da administração do setor empresarial do Estado. Que empresas públicas queremos ter e em que setores? Quais as configurações acionistas que melhor servem os interesses do país? Que modelos de governança devem ser adotados? Como assegurar a devida autonomia da gestão e a sua compatibilização com a função acionista e as orientações estratégicas? Como recrutar e mobilizar o melhor talento possível? Quais os critérios chave de avaliação do desempenho das instituições? Como garantir um escrutínio adequado ao longo do processo e não apenas ex-post?
Seria interessante que depois da catarse dos últimos meses, tanto o governo como as oposições com vocação executiva parassem de facto para pensar. Que não fiquem apenas por uma lógica defensiva ou de pura crítica. Que coloquem em cima da mesa soluções e projetos de melhoria. A consequência expectável seria a apresentação de uma espécie de livro branco para o setor público empresarial, uma carta de propósitos, idealmente uma visão estratégica robusta, no mínimo um código de conduta e boas práticas.
Há questões fundamentais a ponderar e rever, com cuidado, com critério, numa perspetiva de médio prazo. Esta reflexão deveria resultar na definição estruturada de novas políticas orientadoras. Há que assegurar a eficácia do modelo de dupla tutela, garantindo que este não é apenas um formalismo, mas sim um mecanismo efetivo de responsabilização, envolvendo proativamente os ministérios setoriais, as finanças e a própria gestão das empresas. Há que não repetir as situações inadmissíveis de equipas de administração sem contratos de gestão que definam claramente os objetivos e métricas de acompanhamento. Há que abandonar a dicotomia antiquada de um CEO forte e um Chairman fraco, e há que valorizar o papel essencial dos conselhos de administração completos para o êxito das comissões executivas. Há que exigir uma rigorosa alocação dos recursos e garantir que as decisões de investimento sejam suportadas por análises custo-benefício, contribuindo para efetivos ganhos de produtividade e máximos retornos. Há que fomentar uma cultura de excelência, de mérito, de inovação, fugindo das lógicas basistas e populistas, e atraindo as melhores elites profissionais para empresas decisivas ao nosso futuro coletivo, como são a TAP, a RTP, a CGD, a Infraestruturas de Portugal, a CP, as operadoras de metropolitano, as operadoras nas áreas do ambiente e águas, entre outras.
Segundo os dados do Conselho de Finanças Públicas, o setor público empresarial reúne um conjunto de centenas de empresas, com mais de 150 mil trabalhadores e custos operacionais superiores a 11 mil milhões de euros ano. Cerca de 4 por cento do PIB, sem contar com as empresas das regiões autónomas e autarquias. É uma realidade demasiado importante para ser gerida de forma casuística. Melhorar o desempenho deste universo teria um impacto enorme na produtividade do país e na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. Não devemos assobiar para o lado e adiar estes temas. Aos diagnósticos devem seguir-se os planos de ação.
É tempo de retirar conclusões, ser consequente e virar a página. Na TAP, que precisa de serenidade, foco na execução operacional e evidentemente de uma privatização que traga um enquadramento acionista e setorial promissor, internacional, sustentável. E, para além dos transportes aéreos, a gestão de todo o universo das empresas públicas pode e deve ser potenciada.
Adotemos a expressão dos ingleses, a crisis is a terrible thing to waste. Não devemos desperdiçar as lições que estão à vista de todos. Para que a novela TAP se transforme numa boa história de futuro, é importante que os decisores saibam ler os acontecimentos. E é sobretudo crucial que tenham a visão, o pragmatismo e a vontade para fazer melhor.
Gestor