Tão raro divorciar-se da mulher como do poder

<br />Um divórcio na política  espanhola, o de José Bono traz de novo à ordem do dia  separações difíceis dos poderosos.<br /><br />
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Há quatro anos, José Bono deixou a pasta da Defesa que ocupava no governo do socialista José Luiz Rodríguez Zapatero para se dedicar mais à família e tentar salvar o casamento de 25 anos. A decisão surgia depois de a imprensa espanhola ter multiplicado os boatos sobre uma relação da sua mulher, Ana Rodríguez, com um joalheiro de Córdova, colega de ofício. Agora, a união entre o actual presidente das Cortes espanholas e a joalheira acabou mesmo. O casal põe assim fim a um casamento do qual nasceram quatro filhos. Uma decisão que pode surpreender num político conhecido por ser um católico fervoroso, oposto, por exemplo, ao aborto apesar de ser do PSOE. A verdade é que é raro um político no activo assumir um divórcio. Seja porque este se acompanha muitas vezes de uma quebra da popularidade ou porque os homens fortes da política não gostam de mostrar as fragilidades pessoais, os motivos variam. Mas se ao longo da história são poucos os casos de líderes mundiais que se divorciaram quando ocupavam a chefia do Estado ou do governo, recentemente houve dois casos mediáticos: o do Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. Eleito em Maio de 2007, os problemas conjugais de Sarkozy eram tudo menos novidade para os media franceses. Casado em segundas núpcias com a antiga modelo e relações-públicas Cécilia Ciganer-Albeniz, o Presidente francês já vira a mulher partir para Nova Iorque com o amante, apesar de ter voltado para ele a tempo da campanha que o levaria ao Eliseu. Um regresso sempre condicional, com a futura primeira dama a dizer que essa função a «aborrecia» ainda antes de o marido ser eleito. O divórcio, esse, só foi anunciado em Outubro, após 11 anos de casamento e um filho, Louis, em comum. Antes disso, tanto Cécilia como Sarkozy já haviam sido casados (no caso dela foi ele enquanto autarca de Neuilly quem celebrou a sua união com o apresentador Jacques Martin, tendo-se apaixonado pela noiva, então grávida) e tinham dois filhos cada um dessas relações. E se a separação parece não ter afectado a popularidade do Presidente – ao contrário do seu casamento com a ex-modelo e cantora Carla Bruni, logo em Janeiro de 2008, que foi alvo de duras críticas –, este teve depois de enfrentar as revelações bombásticas da ex-mulher. «Nicolas é forreta. É um homem que não gosta de ninguém, nem mesmo dos filhos», afirma Cécilia na sua biografia. Palavras duras que não terão contribuído para melhorar a imagem do político. Duras também foram as declarações de Veronica Lario sobre Silvio Berlusconi. Em Maio de 2009, a antiga actriz disse não poder tolerar homens que «se dão com menores». Tudo por causa da presença do primeiro-ministro na festa de 18 anos de Noemi Letizia, uma aspirante a actriz que gostava de lhe chamar «papi». Para Lario, esta terá sido a gota de água, depois de ter ignorado as alegadas infidelidades do marido e as festas com muitas mulheres bonitas na sua mansão da Sardenha. Berlusconi, de 73 anos, não se cansou de afirmar que a mulher, vinte anos mais nova do que ele, estava a ser pressionada pela oposição. Mas não se pense que a segunda mulher do homem cuja fortuna é avaliada pela revista Forbes em 6,5 mil milhões de dólares saiu do casamento de mãos a abanar. A mãe dos três filhos mais novos do primeiro-ministro (que tem dois outros filhos de um primeiro casamento) chegou a um acordo que lhe garante uma pensão mensal de trezentos mil euros. Um valor mesmo assim dez vezes menor do que aquele pedido pela mulher que durante duas décadas partilhou a vida de Berlusconi. Casados durante quase quarenta anos foram Winnie e Nelson Mandela. Mas a maior parte desse tempo coincidiu com os 27 anos que o militante antiapartheid passou na prisão. Inicialmente pouco activa na luta do Congresso Nacional Africano (ANC) contra o regime racista branco, a antiga assistente social tornou-se numa figura da luta pelos direitos humanos, ganhando não só o apoio dos sul-africanos negros como o reconhecimento da comunidade internacional. Mas os seus excessos, sobretudo os cometidos pela sua equipa de guarda-costas, conhecida como Mandela United Football Club, acabaram por se virar contra ela, sobretudo após a morte de um jovem de 14 anos que estes haviam raptado. Quando Mandela saiu da prisão, em 1990, Winnie caminhou ao seu lado para a liberdade. Mas o casal não voltou a viver sob o mesmo tecto e, seis anos depois, cansado dos excessos pessoais e políticos de Winnie, Mandela, então na presidência da África do Sul, pediu o divórcio, alegando o adultério da mulher. Esta nunca chegou a ser considerada primeira dama, uma vez que o casal já estava separado durante o mandato de Mandela. Para muitos, a separação legal seria o fim de uma carreira política. Mas nunca para o herói, e nem sequer para Winnie, que viria a ocupar vários cargos, de deputada a vice-ministra da Cultura. Raros em todo o mundo, os casos de líderes que se divorciam enquanto no poder parecem um pouco mais comuns na América Latina. Desde Carlos Meném que em 1992, três anos depois de ter sido eleito Presidente da Argentina, expulsou a mulher, Zulema Yoma, do palácio presidencial, acabando com um casamento de 25 anos. Atitude semelhante teve o peruano Alberto Fujimori em 1995, quando também proibiu a mulher Susana de entrar na residência oficial do chefe do Estado depois de esta o acusar de corrupção e nomeou a filha à fúria de uma ex-mulher. Por seu lado, divorciado da jornalista Marisabel em 2002, o venezuelano Chávez acabou por a reencontrar enquanto adversária política, nas eleições de 2008 em que esta foi candidata da oposição. Apesar destas experiências nem sempre simpáticas com as ex-mulheres, a verdade é que quase todos os políticos que se divorciaram quando estavam no poder voltaram a casar. É o caso de Sarkozy, que esperou apenas três meses depois do divórcio para se unir a Carla Bruni. Mas também de Meném, de Fujimori e até de Mandela. Todos repetiram a experiência do casamento, mesmo que o líder sul-africano tenha esperado mais de dez anos e a festa do seu octogésimo aniversário para se unir a Graça Machel, a viúva do ex-presidente moçambicano Samora Machel. Não é pois de excluir que José Bono volte um dia a casar, menos ainda que Berlusconi arranje uma terceira mulher. Até porque, apesar dos seus 73 anos, o primeiro-ministro italiano já provou que é um apreciador de mulheres bonitas, das que frequentam as suas festas às que integram o seu governo

Reagan: a excepção americana De Martha e George Washington, a Hillary e Bill Clinton, passando por Eleonor e Franklin Roosevelt e John e Jacqueline Kennedy, a história dos Estados Unidos está cheia de presidentes que tinham na mulher bem mais do que uma companheira sentimental. E se Eleonor foi a ideóloga do New Deal que ajudou a tirar os Estados Unidos da Grande Depressão nos anos 1930 e até chegou a embaixadora na ONU depois da morte do marido, Hillary Clinton só não chegou à Casa Branca devido a um fenómeno chamado Barack Obama, mas está a fazer um trabalho digno de registo como chefe da diplomacia. Responsável pela proposta de lei de reforma da segurança social logo no início do primeiro mandato do marido, em 1993, Hillary manteve-se ao lado de Bill mesmo quando este enfrentou um processo de destituição por ter mentido sobre a sua relação com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinski. Estes são apenas alguns exemplos de duplas presidenciais só possíveis porque os presidentes americanos têm por tradição chegar à Casa Branca com a sua companheira de longos anos. Até hoje, só James Buchanan ocupou o cargo sendo solteiro. E Ronald Reagan é até hoje o único presidente divorciado. Casado com a actriz Jane Wyman em 1940, o actor divorciou-se oito anos depois. No ano seguinte conheceu a também actriz Nancy Davis, com quem casaria em 1952. Claro que quando chegou à Casa Branca, em 1981 e já com quase 70 anos, Nancy era a sua companheira de quase toda a vida. Os dois ficaram juntos até à morte de Reagan, em 2004.
Homens do seu tempo O primeiro-ministro José Sócrates é divorciado, o seu antecessor no cargo, Pedro Santana Lopes, também (e por mais de uma vez) e o homem que ambiciona substituí-lo, Pedro Passos Coelho, vai no segundo casamento. De esquerda ou de direita, pouco importa, os políticos portugueses são homens do seu tempo e se na sociedade nem todos os casamentos duram para sempre, os seus não são excepção. Sócrates foi casado com a engenheira Sofia Fava, mãe dos seus dois filhos adolescentes, mas era já divorciado quando foi eleito chefe do governo em 2005. Santana Lopes, por seu lado, casou sucessivamente com Isabel Martins, Teresa de Arriaga e Tita Bagulho e tem um total de cinco filhos dos vários relacionamentos. Já o líder social-democrata Pedro Passos Coelho, depois de ter sido casado com Fátima Padinha, antiga cantora das Doce, voltou a casar com Laura Ferreira. E dos dois casamentos tem três filhas. Mas no historial dos primeiros-ministros portugueses da democracia, há de tudo: um separado de facto, Francisco Sá Carneiro, que quando morreu vivia com a companheira Snu Abecassis, tendo a mulher e mãe dos seus cinco filhos sempre recusado conceder-lhe o divórcio; um viúvo (António Guterres, que voltou a casar), uma solteira (Maria de Lourdes Pintasilgo) e também alguns que estiveram casados desde sempre com a mesma pessoa, como Mário Soares.

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