Tambores de guerra entre Telavive e Teerão

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O lançamento de rockets contra posições militares israelitas nos montes Golã atribuídas por Telavive às forças iranianas na Síria e a retaliação israelita contra posições iranianas próximas de Damasco deram subitamente corpo, na semana passada, à ameaça de um confronto militar direto entre Israel e o Irão.

Israel e o Irão vêm travando desde há largos anos uma espécie de guerra por procuração através do Hezbollah no Líbano ou, de forma mais limitada, de grupos palestinianos como o Hamas e a Jihad Islâmica e das ações clandestinas de Israel destinadas a sabotar o programa nuclear iraniano ou a atingir grupos xiitas apoiados pelo Irão. Ambos os lados têm ainda assim evitado o confronto direto.

Israelitas e iranianos têm-se desafiado numa espécie de guerra--sombra na Síria. Nos últimos meses, as forças do Hezbollah na Síria e comboios e depósitos de armas que os serviços de Telavive acreditam serem destinados ao arsenal do movimento xiita no Líbano têm sido alvo de uma série de ataques com assinatura israelita. Em fevereiro, Israel abateu um drone iraniano carregado de explosivos que tinha entrado no espaço aéreo do país. No início de abril um ataque aéreo atingiu uma base aérea próxima de Palmira que matou vários conselheiros militares iranianos, aumentando a tensão entre os dois lados.

Na quarta-feira passada, uma salva de rockets atingiu posições militares israelitas nos montes Golã, num ataque prontamente atribuído por Israel à força Quds, o braço expedicionário dos Guardas da Revolução iranianos. Um ataque limitado - cerca de duas dezenas de rockets - mas que representa ainda assim o primeiro ataque direto iraniano contra posições israelitas. Israel respondeu de imediato com uma vaga de ataques aéreos e com mísseis contra alegadas posições iranianas na Síria - o quartel-general das forças Quds e das instalações militares a sul, norte e leste de Damasco - na maior série de ataques aéreos contra a Síria desde a guerra do Yom Kippur de 1973.

Estes incidente ocorriam, por outro lado, depois de o presidente americano, Donald Trump, ter denunciado, na terça-feira, o acordo nuclear com o Irão.

O "eixo" Irão-Líbano-Síria

As ações visando as milícias do Hezbollah e, nos últimos meses, as próprias forças iranianas na Síria parecem inscrever-se numa estratégia preventiva de Telavive.

O peso do Hezbollah no Líbano é percebido em Israel como uma ameaça direta. E o conflito da Síria ofereceu ao Irão a oportunidade de aumentar a sua presença no país através do apoio ao Hezbollah e do envio de conselheiros militares iranianos para apoiar as forças fiéis a Bashar al-Assad. Israel vê-se assim subitamente confrontado com o cenário da presença de um dispositivo militar iraniano mesmo em cima da sua fronteira - mesmo se a dimensão real da presença iraniana na Síria é controversa. Netanyahu garante que os Guardas Revolucionários deslocaram armamento avançado para a Síria incluindo mísseis terra--terra e baterias antiaéreas capazes de ameaçar os caças israelitas.

O Irão estaria assim a consolidar um "eixo de resistência" com o Hezbollah, a Síria e, pontualmente, o Hamas para fazer frente à "hegemonia" de Israel e dos Estados Unidos na região.

O ministro da Defesa israelita, Avigdor Lieberman, citado pelo The Guardian, disse no início da semana que Israel está "confrontado com uma nova realidade - uma frente única contra o Estado de Israel constituída pelo exército libanês em cooperação com o Hezbollah, o exército sírio, as milícias xiitas na Síria e, sobretudo, o Irão".

Ao mesmo tempo que Israel lançava os raides aéreos contra as alegadas posições do Quds em torno de Damasco, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deslocava-se a Moscovo para se avistar com Vladimir Putin, tendo regressado da capital russa convicto de que a Rússia não tomaria quaisquer iniciativas para conter a resposta israelita.

As boas relações estabelecidas por Putin e Natanyahu são um elemento importante na manobra russa na área, e uma escalada militar entre Israel e o Irão implicaria provavelmente arrastar os Estados Unidos para o conflito. Moscovo limitou-se, por isso, a emitir apelos à contenção das duas partes.

Israel procura por outro lado jogar com os incidentes da semana transata para tentar criar clivagens entre o regime de Assad e o Irão. Avigdor Lieberman desafiou na sexta-feira o líder sírio a "pôr os iranianos a andar" dizendo que "eles só vos estão a causar problemas".

"Regime change"

Ao anunciar a retirada americana do acordo com Teerão, Trump invocou as acusações avançadas dias antes por Netanyahu de que o Irão manteria um programa secreto de armas nucleares, em violação do acordo assinado em 2015. O líder israelita contará ainda com a assumida hostilidade ao Irão de figuras de topo da administração Trump.

A situação alimentou mesmo especulações de uma ação coordenada entre Washington e Telavive. Anshel Pfeffer, jornalista do Haaretz, escreveu nas páginas do The Guardian que o cálculo último de Israel e Netanyahu será explorar as fissuras no poder em Teerão jogando com a pressão militar, a imposição de novas sanções económicas americanas e a situação difícil da economia iraniana para desencadear uma crise política em Teerão.

Figuras recentemente chamadas à administração Trump, como o conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, assumiram explicitamente no passado serem favoráveis a uma mudança de regime em Teerão.

A questão do acordo nuclear iraniano continuará para já a representar um dado importante no evoluir da situação. Teerão mostrou-se já disponível para manter os compromissos assumidos desde que receba garantias no mesmo sentido da parte europeia.

A manterem os seus negócios com o Irão, as companhias europeias arriscam-se a ser alvo de sanções americanas e a situação poderá complicar as negociações sobre as novas taxas que Washington pretende impor ao aço europeu. Por outro lado estão em causa os "interesses de segurança" e a própria "credibilidade" da Europa - observa Sven Biscop, do European Security and Defence College, sublinhando que os efeitos desestabilizadores no Médio Oriente de uma eventual rutura do acordo teriam consequências mais graves e diretas no Velho Continente do que nos EUA.

O presidente iraniano, Hassan Rouhani, ameaçou já com o retomar do programa nuclear iraniano caso os europeus pretendam alterar de alguma forma os termos do acordo nuclear, e muitos analistas agitam o cenário de risco de uma corrida ao nuclear na região.

Para já Israel e Irão parecem manter a contenção. O governo de Telavive insiste que não quer um agravamento do conflito. "Ninguém quer uma escalada, muito menos uma guerra" - disse na sexta-feira o ministro da Defesa de Israel.

Resta saber se os incidentes da semana transata entre israelitas e iranianos correspondem a uma situação pontual ou se assinalam uma perigosa viragem no paradigma do confronto estratégico que israelitas e iranianos vêm mantendo há décadas.

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