Também se muda por decreto

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1- Há semanas assim. Escutamos, arrepiados, declarações que parecem vindas de outros tempos sobre "agitadores profissionais" na Autoeuropa. Mas escutamos, também, intervenções exemplares como as de Marin Alsop, maestrina norte-americana que foi a primeira mulher nomeada para dirigir uma orquestra de Viena, a Orquestra Sinfónica da Rádio de Viena. Disse Alsop ao Guardian: "Estou muito honrada por ser a primeira [mulher no cargo], mas também estou chocada com o facto de que neste ano e neste século ainda tenhamos de dizer que há "estreias de mulheres"" em cargos de maior responsabilidade.

2- A igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, em especial no acesso a lugares de topo, está longe de estar resolvida. Mais nuns países do que noutros, como por exemplo os nórdicos, onde a adoção de medidas de discriminação positiva, tão malvistas entre nós, têm tido resultados positivos. Pelo contrário, a inação nada resolve .

3- A desigualdade entre homens e mulheres não se esgota no acesso aos cargos de direção. Está hoje em causa, no debate público europeu, a desigualdade salarial em função do sexo, para o mesmo trabalho. Neste caso, pudemos escutar, também com satisfação, as declarações do presidente executivo da Easyjet, que anunciou ter decidido solicitar um corte no seu salário para passar a ganhar o mesmo que a sua antecessora no cargo, uma mulher. No mesmo sentido, ficámos a saber que seis apresentadores homens da BBC aceitaram negociar as suas condições salariais para assim equilibrar as remunerações de homens e mulheres com os mesmos cargos.

4- Esperemos, no entanto, que a baixa de salários dos homens, que poderá fazer sentido nos salários de topo, não seja a regra em todos os níveis salariais. Ou seja, esperemos que o equilíbrio entre remunerações masculinas e femininas não se faça sempre reduzindo as mais elevadas sem subir as mais baixas. Seria provavelmente mais fácil mobilizar as empresas para a causa da igualdade salarial, dando-lhes uma oportunidade para assim reduzirem os seus custos salariais, ou a sua evolução. Mas seria também a liquidação de uma boa causa que passaria a ser vista como facilitadora da regressão da condição salarial.

5- Entretanto, neste caso a inação está a ser posta de parte em vários países. Islândia e, de modo mais tímido, Alemanha têm já em aplicação novas leis que obrigam à igualdade salarial. Em Portugal, o governo aprovou este mês de janeiro a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação, que inclui uma série de medidas de promoção da igualdade salarial entre homens e mulheres, a aplicar até 2030. Imitando Marin Alsop, estou tão satisfeita com esta decisão como chocada com a necessidade que houve de a tomar já bem dentro do novo século XX. Este é um bom exemplo das situações em que o Estado não pode ficar à espera que a norma vá espontaneamente mudando. Ou seja, de que também se muda por decreto, ao contrário do que afirma o senso comum.

6- A ação é urgente, por duas razões. Primeiro, porque Portugal é dos países da União Europeia com maior disparidade salarial entre homens e mulheres. E, sobretudo, porque é, entre os países em que essa disparidade aumentou recentemente, entre 2008 e 2015, aquele que mais regrediu. O problema não tem sido, pois, de falta de mudança, mas do sentido dessa mudança. É tempo de substituir a regressão pelo progresso.

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