Se tudo correr bem no salvamento total do grupo, a experiência vivida pelos 12 adolescentes tailandeses "pode trazer aprendizagens positivas" e "até ser benéfica em termos de formação de personalidade", dizem ao DN psicólogas especialistas em situações de stress pós-traumático e comportamentos em situações adversas. Será decisivo um acompanhamento psicológico nos próximos meses e grande atenção aos pais. Muitas vezes ficam mais perturbados mas não devem impedir o regresso, ao ritmo possível, à normalidade destes jovens. Ir à escola, estar com os amigos e fazer o que mais gostam e os unia no dia 23 de junho: jogar futebol.."Seguramente que foi uma experiência marcante na vida destas crianças, mas se tudo correr bem pode trazer aprendizagens positivas. Mais tarde vão compreender quanto a vida deles esteve em perigo. Os seres humanos são resilientes e esta experiência de sobrevivência pode torná-los mais fortes", disse Ângela Maia, vice-presidente da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, especializada em situações adversas e stress pós-traumático.."A idade deles, já adolescentes entre os 11 e os 16 anos, é importante. Há uma capacidade de adaptação maior e a experiência pode ser benéfica em torno da formação da personalidade", concorda Rita Farinha, psicóloga clínica com experiência em situações de crise..Essencial a recuperação física.O primeiro passo, dizem as duas psicólogas, será a recuperação física. O grupo da equipa Wild Boars esteve muitos dias num espaço fechado, sem luz e com pouco oxigénio. Um futuro psicologicamente saudável depende do bem-estar físico. E depois há que fazer "avaliações e acompanhamento durante, pelo menos, seis meses", aponta Rita Farinha, com a certeza de que terão perfis diferentes: "Dependerá muito das características individuais. Não existe um plano certo para cada um." Ângela Maia acrescenta que, "no curto prazo, é provável que sintam alguma dificuldade de gestão emocional, mas deve ser sempre transitória".."Em situações anormais, o normal é ficar anormal", realça Ângela Maia, para quem "o importante é retomar a normalidade e isso só é possível quando passarem a ter uma vida como tinham antes: ir à escola, estar com os amigos, jogar à bola.".Ângela Maia realça que, do que se conhece, no interior daquela gruta de Tham Luang "formaram um grupo e foram acompanhados por técnicos muito bons, que os prepararam para a operação. E têm sido um grupo coeso e isso protege, há um sentido de comunidade que é importante para eles. Não estão sozinhos". Além disso, puderam contactar com os familiares através de cartas. "Foram importantes, pela ligação aos adultos que são referência para eles, sentiram-se acompanhados.".Evitar a hipervigilância dos pais.A nível psicológico "vão passar por um período de adaptação muito grande", diz a professora universitária que tem liderado vários projetos de investigação sobre o impacto na saúde da exposição a experiências adversas e potencialmente traumáticas, assinalando que há necessidade de muita atenção também às famílias. "Os pais estão com níveis de emocionalidade elevados. Provavelmente mais intensos do que os dos adolescentes. Todos os estudos mostram que os pais ficam mais perturbados do que as crianças. Isso deve ser contido para não ser contagiante e não perturbar o regresso à normalidade. Deve evitar-se que fiquem hipervigilantes.".O percurso é "voltar o mais depressa possível ao mundo normal. Ao ritmo possível - a estabilização física é essencial -, precisam de retomar a vida habitual, como jogar futebol, que eles gostavam de fazer, ir à escola". A pressão mediática e dos colegas para falar sobre o assunto também deve ser controlada, avisa Rita Farinha..Treinador manteve grupo unido.Falamos muito nos rapazes mas o treinador é o elemento do grupo que tem uma enorme pressão. "Ele é um adulto que é pouco mais que um miúdo, já que tem 20 e poucos anos. Pode ter a responsabilidade de ser quem os liderava quando entraram na gruta, mas também deve ser valorizado o papel que teve em manter o grupo unido", aponta Ângela Maia..Quatro dos adolescentes saíram ontem e os outros oito ficaram na gruta. Podem sentir que ficaram esquecidos? "O nível de ansiedade deles pode subir, mas, do que temos conhecimento, eles foram sempre envolvidos na operação de salvamento, até aprenderam a mergulhar. Importante é que a comunicação se mantenha, que estejam a par da situação", analisa Rita Farinha.