Sustentabilidade do sistema de Saúde a caminho da recuperação

Depois da tempestade pandémica, espera-se que o SNS recupere a sustentabilidade perdida em 2020 com um reforço da atividade, da qualidade, e sem aumentar as despesas. Isto significa que o sistema terá de encontrar formas de fazer crescer a sua produtividade.
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Em 2020, o Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela Nova Information Management School (Nova IMS), apresentou o valor mais baixo desde a sua primeira edição, em 2015. O mundo vivia uma pandemia pela qual ninguém esperava, e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) procurava reagir e dar resposta às necessidades dos portugueses. Este índice, que tem por objetivo olhar para a saúde em Portugal do ponto de vista da sua sustentabilidade, e aferir se os recursos colocados no âmbito do SNS são um custo ou um investimento, foi, no ano de arranque da pandemia, de 83,9 pontos (numa base estabelecida de 100). Esta quebra abrupta resultou da substancial redução da atividade do SNS que obrigou a um aumento elevado da despesa. "Pela primeira vez na história do índice tivemos um valor abaixo dos 84 pontos e muito inferior ao valor de partida de 100", afirma Pedro Simões Coelho, diretor e professor da Nova IMS, e um dos responsáveis por este estudo.

A edição de 2021, que se espera refletir já alguma recuperação, será apresentada amanhã, durante a 10.ª Conferência Sustentabilidade em Saúde, promovida pela AbbVie e a que o DN e a TSF se associam. A partir das 9.30, no Centro Cultural de Belém, Pedro Simões Coelho fará a apresentação anual do índice que procura dar uma visão completa do sistema de saúde nacional, e do estado de saúde dos portugueses, e apurar a forma como estes olham para o SNS, do ponto de vista da eficácia, da capacidade de responder às suas necessidades, e da qualidade do serviço que presta. "Quisemos também, desde a primeira hora, criar um indicador de retorno de investimento na saúde em Portugal que fizesse uma quantificação do impacto na economia portuguesa por cada euro investido no nosso Serviço Nacional de Saúde", explicou ao DN. E, acrescenta, "apurámos inequivocamente que os recursos no âmbito da saúde são um investimento com um certo retorno e, portanto, seria importante começarmos a monitorizar os impactos económicos e não económicos do SNS".

Ao longo das edições seguintes, a meta dos responsáveis pelo Índice de Saúde Sustentável passou por detalhar diferentes vertentes relacionadas com a eficácia do SNS, desde o contributo que tem para a qualidade de vida e para o estado de saúde da população em diferentes aspetos, a forma como as pessoas avaliam o SNS do ponto de vista das suas múltiplas valências (consultas, exames, urgências), até à perspetiva que têm do SNS do ponto de vista das suas determinantes de qualidade. Ou seja, "como é que olham para a qualidade dos profissionais, para os temas da acessibilidade, das infraestruturas e da informação fornecida", reforça Pedro Simões Coelho. Com esta informação, a equipa foi criando uma visão cada vez mais completa do sistema. E, sobretudo, acrescenta o professor, "chegámos a um ponto - há alguns anos - em que passámos a ser capazes de quantificar, de ano a ano, quanto foi o contributo do SNS para a melhoria do estado de saúde dos portugueses, numa escala de 0 a 100".

Nas palavras do responsável pelo estudo, um sistema sustentável responde à procura, é percecionado como tendo qualidade por parte dos cidadãos, e cumpre standards de qualidade técnica. No entanto, o sistema seria perfeito, não fosse a variável dos recursos ser limitada. "Uma vez que os recursos não são ilimitados, isto tem de ser feito com um nível de despesa que seja sustentável, ou seja, que esteja em linha com os nossos recursos, mas também em linha com aquilo que é a nossa resposta em termos de atividade e qualidade", explica.

Com o ponto de partida estabelecido na base de 100 pontos, o Índice de Saúde Sustentável fez o seu caminho, mantendo uma tendência crescente, que atingiu o seu valor máximo, de 103 pontos, em 2017. Nos dois anos seguintes refletiu uma pequena descida (102,9-101,7) que, apesar de tudo, se manteve em linha com os anteriores. Em 2020, "aconteceu uma derrocada devido à pandemia, e não há nenhum sistema no mundo que possa ser avaliado como sendo sustentável durante esse ano", defende o diretor da Nova IMS. Para o futuro, "precisamos de um reforço da atividade e da qualidade, sem incorrer no aumento de despesas".

Para debater os resultados da edição de 2021 do Índice de Saúde Sustentável, com vista a apontar tendências e a definir prioridades de atuação, Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, e Hélder Mota Filipe, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, juntam-se a Pedro Simões Coelho, naquele que será o primeiro debate no programa da 10.ª Conferência Sustentabilidade em Saúde. A conversa será moderada por Pedro Cruz, diretor executivo da TSF.

Num segundo momento, o tema da inovação e o futuro da saúde em Portugal serão os pontos de partida para debater, entre outros, a disponibilidade e predisposição dos portugueses para a utilização das ferramentas tecnológicas no acesso à saúde, do que são exemplo as teleconsultas. À mesma mesa sentar-se-ão Rui Ivo, presidente do Infarmed; João Almeida Lopes, presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica; Catarina Resende Oliveira, presidente da direção da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica; Helena Pereira, presidente da Fundação Ciência e Tecnologia; Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH); e Jaime Melancia, presidente de mesa da assembleia geral da EUPATI Portugal. Graça Freitas, diretora-geral da Saúde fará o encerramento da conferência.

Recordando algumas das conclusões retiradas do Índice de Saúde Sustentável referente a 2020, e apresentado na 9.ª Conferência Sustentabilidade em Saúde, em 2021, aquela que mais salta à vista é a que revela um grande sentimento de apreço em relação ao SNS por parte dos portugueses. Mais de 73% dos portugueses consideram que o SNS respondeu de forma eficaz à pandemia, apesar de uma grande parte da população (cerca de 25%) revelar que deixou de recorrer aos serviços de saúde por medo.

De acordo com este índice, o ano de arranque da pandemia traduziu-se numa quebra significativa da atividade e, por isso, o seu valor desceu. Contudo, esta quebra de atividade aconteceu do lado da procura e não da oferta. Ou seja, apesar de a contração da oferta por força da pandemia, houve uma quebra maior na procura dos cidadãos pelos serviços.

Outros dados importantes são, por exemplo, os entre 30% e 40% de pessoas que assumem que, em 2020, tiveram sinais de ansiedade e/ou depressão devido ao contexto da covid-19, ou os cerca de 50% da população que sentiu dificuldades no relacionamento com aqueles que lhes são próximos, em particular com os familiares, devido ao contexto da pandemia.

A propósito da 10.ª edição da conferência Sustentabilidade em Saúde, promovida pela AbbVie, o DN e a TSF desafiaram quatro ex-ministros da saúde a fazer uma avaliação crítica da última década, no que diz respeito às políticas da saúde, destacando os bons e os maus momentos, os desafios e as concretizações. Adalberto Campos Fernandes, Maria de Belém Roseira, Fernando Leal da Costa e António Correia de Campos aceitaram o repto. Recordamos algumas das suas considerações.

Maria de Belém Roseira - Ministra da Saúde entre 1995 e 1999

"Precisamos, como de pão para a boca, de atuar a nível da prevenção da doença e da promoção da saúde, apostar muito na literacia em saúde, e de ter mecanismos que nos ajudem a gerir de maneira adequada a articulação de cuidados e os planos individuais de cuidados para as pessoas com multimorbilidades, para não constituir um peso demasiado grande para elas e para a sociedade no seu conjunto".

António Correia de Campos - Ministro da Saúde, entre 2001-2002 e 2005-2008

"Colocar o cidadão à frente da doença e do tratamento, reforçar os direitos dos utentes, promover programas de prevenção, prestar contas e resultados, e ter transparência absoluta são essenciais para um SNS mais forte, produtivo e eficiente".

Fernando Leal da Costa - Ministro da Saúde em 2015

"O verdadeiro problema do SNS é a falta de profissionais de saúde, que não têm capacidade para dar resposta ao aumento da procura que se verifica nos diferentes serviços. Temos uma perda muito significativa de quadros, que o SNS forma, e isso tem de ser invertido, pagando melhor e dando melhores condições de trabalho".

Adalberto Campos Fernandes - Ministro da Saúde entre 2015 e 2018

Em Portugal continua a faltar capacidade de avaliação contínua. "Temos uma fraca aptidão para a avaliação de políticas. Fazemos muita coisa em cada um dos nossos tempos, mas avaliamos pouco". E isto, conclui, diminui muito a qualidade das políticas e dos resultados futuros.

dnot@dn.pt

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