Suspeitas na OPA da Sonae à PT voltam a estar em cima da mesa

Procurador refere que GES foi favorecido com "decisões políticas". Dados dos "Papéis do Panamá" constam há meses do caso que envolve José Sócrates
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Depois de vários meses concentrada num eventual favorecimento ao empreendimento turístico de Vale do Lobo, no Algarve, a investigação do processo que envolve José Sócrates parece ter reaberto o leque de hipóteses sobre o que estará por detrás dos 12 milhões de euros que acabaram nas contas de Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates. Numa resposta a um recurso do administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca, já no final do ano passado, o procurador Rosário Teixeira refere que as contas de Barroca serviram para a passagem de fundos com origem em negócios que "foram favorecidos por decisões políticas". Entre as quais, elencou, "a intervenção da CGD como acionista da Portugal Telecom".

Esta questão chegou a ser aflorada, em setembro de 2015, com a audição pelo Ministério Público de Paulo Azevedo, gestor da Sonae e filho de Belmiro de Azevedo, sobre a oferta pública de aquisição (OPA) de 2006 à Portugal Telecom, na qual a Caixa Geral de Depósitos votou contra. José Sócrates era o primeiro-ministro.

Anos mais tarde, numa entrevista, o próprio Belmiro de Azevedo acusou diretamente Sócrates de ter interferido na decisão do banco público: "Quando mandou votar, [José Sócrates] deu ordens contra a proposta da Sonae. Votou contra via CGD. Perguntei a cinco antigos presidentes da CGD quem mandava em situações como aquela e todos me disseram o mesmo: a independência da administração é total, exceto relativamente à EDP, à Galp e à PT. Não tenho pois dúvidas de que o voto contra da Caixa na assembleia geral que chumbou a OPA foi ditado pelo governo."

O facto de desde, pelo menos, outubro do ano passado o Ministério Público saber que a origem de 12 milhões de euros - que passaram de duas offshores controladas por Hélder Bataglia para Joaquim Barroca, terminando o percurso em Carlos Santos Silva - tiveram origem na ES Enterprises, um saco azul do Grupo Espírito Santo, terão levado o MP a não concentrar todas as suspeitas sobre Hélder Bataglia na relação com Vale do Lobo, mas alargando-as a interesses do GES e não apenas diretamente a Bataglia (um dos sócios de Vale do Lobo)

Ao DN, o advogado do empresário luso-angolano foi parco em comentários sobre o facto de os Papéis do Panamá agora confirmarem o que já constava da Operação Marquês, como noticiou ontem o Expresso: "Não faço comentários sobre esse ou outros artigos. O que interessa para mim e onde me foco é na realidade processual", declarou Rui Patrício. Por sua vez, Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, fez saber que o ex-banqueiro "não tem conhecimento ou participou direta ou indiretamente em qualquer pagamento ilícito por parte do GES a políticos."

Já os advogados de José Sócrates emitiram um comunicado, no qual afirmam que o seu cliente "não tem, nem nunca teve, diretamente ou indiretamente, designadamente através de offshores, qualquer relação negocial com o senhor Hélder Bataglia".

João Araújo e Pedro Delille referiram ainda que "isso mesmo resulta claramente da investigação levada a cabo e já acessível a quem interesse aprofundar o assunto".

De facto, a investigação da Operação Marquês não descreve nenhuma ligação direta entre ambos. A tese do Ministério Público assenta no pressuposto de que o dinheiro chegou a Sócrates através de vários intermediários, sendo Carlos Santos Silva o último e quem colocou à disposição do ex-primeiro-ministro os montantes amealhados. Ao todo, segundo contas da investigação, Sócrates tinha 23 milhões de euros à sua disposição, já que Santos Silva, depois de colocar o dinheiro em Portugal, através de dois regimes excepcionais de regularização tributária (RERT), tinha duas contas no BES.

Sempre que mobilizava fundos de uma, o empresário compensava com transferências da segunda, o que levou os investigadores a concluir que Santos Silva geria "dois patrimónios autónomos". Além de Bataglia/GES, o Ministério Público suspeita de que o ex-primeiro-ministro recebeu ainda alguns milhões de euros do Grupo Lena através de Joaquim Barroca. O MP diz que o grupo foi favorecido, só não refere onde e quando.

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