Suspeitas de tráfico abalam a maior missão militar portuguesa no estrangeiro

Comandos do exército suspeitos de traficar ouro, diamantes e droga a partir da República Centro-Africana, quando integravam a missão das Nações Unidas.
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A mancha caiu sobre a maior e mais emblemática missão militar portuguesa no estrangeiro: a Polícia Judiciária pôs no terreno uma megaoperação de buscas por suspeitas de tráfico de ouro, diamantes e droga, que terão sido transportados a partir da República Centro-Africana (RCA) por comandos portugueses integrados na Minusca, a missão das Nações Unidas naquele país africano. A operação, que envolveu 100 mandados de busca, terminou com dez detidos, entre militares, ex-militares e civis.

Ao que o DN apurou, as suspeitas prendem-se com militares da 5.ª Força Nacional Destacada, um grupo de comandos que esteve na RCA entre março e setembro de 2019. Nesse mês foram substituídos pela 6.ª força destacada para o território, maioritariamente composta por paraquedistas do Exército. Foi ao comandante deste batalhão, o tenente-coronel paraquedista Victor Gomes, que uma fonte local contou a história do tráfico (sendo que a referência inicial reportava-se apenas a diamantes). Uma denúncia que foi comunicada ao Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), em Lisboa, que por sua vez passou o caso à Polícia Judiciária Militar (PJM), que viria depois a entregá-lo à PJ. O DN sabe que a denúncia inicial envolvia apenas dois militares, contratados, que deixaram entretanto as Forças Armadas, tendo agora sido detidos já na PSP e GNR.

O ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, disse ter sido informado sobre as suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em dezembro de 2019, pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, almirante António Silva Ribeiro, que lhe comunicou então a intenção de levar o caso à PJM. Cravinho afirmou também que deu conhecimento das suspeitas à ONU "nos primeiros meses" de 2020. Segundo o titular da pasta da Defesa, a informação que lhe foi dada "dizia respeito a dois militares", que "já não estavam na RCA na altura da denúncia". O ministro garantiu que os militares que "tinham sido indicados como suspeitos já não regressaram à RCA em missões posteriores".

Num comunicado emitido ontem, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) adiantou que está em investigação "uma alegada rede criminosa, com ligações internacionais, que se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas, tendo por objetivo o branqueamento de capitais". Já o EMGFA veio referir que "o que está em causa é a possibilidade de alguns militares" que estiveram na RCA "terem sido utilizados como correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes" e que "estes produtos foram alegadamente transportados nas aeronaves de regresso" das forças militares portuguesas ao território nacional.

No espaço de poucas horas, o Presidente da República e o ministro dos Negócios Estrangeiros vieram, a uma voz, defender que a designada operação Miríade não afeta a imagem das Forças Armadas, nem das missões nacionais no estrangeiro. "Não atinge minimamente o prestígio das Forças Armadas. Pelo contrário, o facto de investigarem casos isolados que possam ter ocorrido, de tomarem essa iniciativa só as prestigia [às Forças Armadas] em termos internacionais", disse o Presidente da República à RTP. Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, veio sublinhar a mesma ideia: "Não afeta a nossa imagem internacional. Se as autoridades judiciais entendem que há indícios que exigem investigações, essas investigações devem ser feitas".

Mas o certo é que esta investigação, e as suspeitas de tráfico, recaem sobre aquela que é, na atualidade, a maior e a mais emblemática missão internacional dos militares portugueses - que já por várias vezes estiveram envolvidos em combates - muitas vezes apontada como um exemplo da excelência das forças nacionais.

"É óbvio que esta situação belisca" a imagem da instituição militar, diz ao DN o major-general Carlos Branco, que esteve na RCA em 2019, a convite das Nações Unidas, sublinhando que os responsáveis do Governo e o Presidente da República "dizem o que têm que dizer no papel institucional que têm". Portugal tem, atualmente, 180 militares envolvidos na missão da ONU no país.

susete.francisco@dn.pt

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