Supremo sai desmoralizado ao devolver Senado a Renan

Analistas falam em "carnaval institucional" e alertam para "perda de capital político" da mais alta instância judicial do país.
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A relação entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e os brasileiros que vão à rua manifestar-se e às redes sociais protestar nunca mais será a mesma depois do caso Renan, concorda a maioria dos analistas jurídicos e políticos. Renan Calheiros, do PMDB, aquele que, depostos nos últimos meses a presidente Dilma Rousseff, do PT, e Eduardo Cunha, do PMDB, se tornou o político mais impopular do país foi afastado da presidência do Senado na segunda-feira por decisão de um juiz do STF, negou-se a cumprir a determinação judicial na terça-feira e acabou de volta ao cargo na quarta-feira por decisão do colegiado do Supremo Tribunal.

"É um fenomenal desvario, uma orgia, um carnaval institucional", diz o colunista do jornal Folha de S. Paulo. No jornal O Estado de S. Paulo, José Roberto de Toledo ironiza: "As instituições estão funcionando em harmonia, de facto, estão harmonicamente em crise (...) Carmen Lúcia [presidente do STF] deixou de ser a unanimidade em que tentaram transformá-la."

"Não está claro como a decisão será encarada pela população, muito provavelmente a perda de capital político do tribunal será severa", acrescenta o professor de direito Rubens Glezer. Outro professor da área, Carlos Ari Sundfeld, defende que "o STF pode colocar-se pela primeira vez como alvo da ira da população e ocorrer uma divisão interna dentro do mundo da Justiça porque parte da opinião pública esclarecida via-a como um caminho de reforma no país".

"O casuísmo desta decisão leva a uma desmoralização ímpar do STF", disse o juiz que inicialmente afastou Renan Calheiros da presidência do Senado, baseado no artigo constitucional que prevê que quem seja réu - Renan é-o, por desvio de dinheiro público, desde novembro - não possa estar na linha sucessória da presidência da República - o líder do Senado é o segundo nessa linha. Marco Aurélio Mello, que viu a sua tese derrotada pelos colegas, qualificou ainda de "grotesca" a decisão do presidente do Senado de não acatar a ordem judicial dada na segunda-feira.

Para a decisão do STF de manter Calheiros no Senado tirando-o, no entanto, da linha sucessória de Michel Temer (PMDB), obtida graças a seis votos a favor e três contra, ajudou um acordo de bastidores alinhavado na véspera, contam os principais jornais do país. Como o sucessor natural de Calheiros na presidência do Senado era um militante do PT, Jorge Viana, e para as semanas antes e após as férias de Natal e verão estão marcadas as votações das duas principais medidas do governo - limite dos gastos com saúde e educação e reforma da segurança social -, o Planalto fez ver aos membros do STF que a queda do presidente do Senado traria instabilidade. "Não foi um acordo por debaixo da mesa, foi apenas um entendimento entre poderes", admitiu um auxiliar de Temer à imprensa.

Para prevenir, aliás, que uma situação do tipo se repita, senadores e deputados estão a discutir a blindagem dos presidentes das duas casas. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, os parlamentares tentarão mal a poeira assente vingar a tese de que eventuais réus na linha de sucessão do presidente não poderão ser afastados se o facto em julgamento não tiver relação com o exercício do cargo.

São Paulo

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