Superliga Europeia ganha uma nova vida, mas apoios são curtos
Afinal, a ideia da criação de uma Superliga Europeia não morreu (agora com moldes completamente diferentes), e a decisão desta quinta-feira do Tribunal de Justiça da União Europeia, ao considerar que "as regras da FIFA e da UEFA sobre a aprovação prévia de competições interclubes de futebol, como a Superliga, são contrárias à legislação da UE", promete muita discussão e polémica. Certo é que vários clubes relevantes e as federações mais importantes já se mostraram contra esta nova competição, pelo que os apoios declarados de Real Madrid e Barcelona parecem demasiado curtos para a ideia vingar.
Basicamente, o Tribunal da UE sustentou que a decisão da FIFA e da UEFA de sujeitarem qualquer competição que surja à sua aprovação prévia é ilegal, assim como "proibir clubes e atletas de participarem nessas competições". O mais alto órgão administrativo da UE considerou que a UEFA e a FIFA abusaram da sua "posição dominante" na sua ação contra a Superliga de futebol, competição que tem agora luz verde para avançar.
As reações multiplicaram-se e uma ganhou logo particular relevância. "Conquistámos o direito de competir. O monopólio da UEFA acabou. O futebol é livre. Os clubes estão agora livres da ameaça de sanções e livres para determinarem o seu próprio futuro", reagiu Bernd Reichart, CEO da A22 Sports Management, empresa responsável pelo projeto da Superliga Europeia, deixando logo uma boa notícia para os adeptos e clubes: "Vamos emitir de forma gratuita todos os desafios da Superliga. Para os clubes, as receitas e os pagamentos em solidariedade com o futebol estarão garantidos."
Horas depois da decisão do Tribunal da UE, ao mesmo tempo que se multiplicavam as reações contra e a favor, começaram a surgir os detalhes pormenorizados sobre o funcionamento desta nova competição, ainda sem data prevista, até porque a "guerra" ainda agora começou.
Este novo modelo é muito diferente daquele que foi defendido em abril de 2021 por alguns dos mais poderosos clubes europeus, com o Real Madrid e Barcelona à cabeça (são os resistentes entre os 15 fundadores do projeto original, apesar de só terem sido revelados 12), uma ideia que caiu à nascença depois de duras críticas dos organismos, governos, clubes e até dos próprios adeptos.
Foi nesse sentido que o modelo foi reformulado pela empresa A22. O novo figurino defende uma prova com três divisões, com subidas e descidas de escalão como os campeonatos nacionais. As 64 equipas seriam distribuídas pelas três divisões - o escalão principal vai chamar-se Star League, o segundo Gold League, e o terceiro Blue League, cujo acesso será feito tendo por base o rendimento nas ligas nacionais.
As duas primeiras divisões teriam 16 equipas, divididas em dois grupos de oito a duas voltas, o que garantiria um mínimo de 14 jogos por equipa em cada época. Depois, uma fase a eliminar decidiria o campeão e as descidas de divisão.
O terceiro escalão teria 32 clubes, distribuídos por quatro grupos com oito emblemas cada, sendo seguido por uma fase a eliminar, à semelhança do que acontece nos dois principais escalões para apurar o vencedor, quem sobe e desce.
No primeiro ano de competição, os clubes seriam selecionados de acordo com critérios de rendimento, sendo que as regras de sustentabilidade financeira e transparência serão fundamentais para garantir uma competição justa entre todos os participantes.
A A22 Sports pretende ainda criar uma Superliga feminina, com a Star League e a Gold League com 16 equipas cada divididas por oito grupos, garantindo 14 jogos por época a cada emblema, seguindo depois o formato de eliminatórias.
Em termos financeiros, nos três primeiros anos estaria garantido um bolo total mínimo de 400 milhões de euros, que é mais do dobro do montante repartido atualmente nas competições da UEFA.
Uma grande inovação em relação às provas da UEFA é o facto dos jogos serem transmitidos em direto numa plataforma de streaming digital, a Unify, cujo acesso será gratuito, o que, de acordo com a A22 Sports, pretende "democratizar o acesso ao futebol em direto numa dimensão nunca antes vista".
"Acreditamos que nossa proposta criará a competição de futebol mais emocionante da Europa, gerando um ecossistema melhor e mais sustentável para o futebol masculino e feminino. Isso fortalecerá os clubes históricos que atualmente sofrem para poder competir com garantias de nível internacional, ao mesmo tempo que aportará solidez a toda a pirâmide do futebol", disse Bernd Reichart, CEO da Superliga.
A procissão ainda vai no adro e as próximas semanas/meses prometem grande discussão. Até porque, na sua primeira reação, a UEFA defendeu que "esta decisão não significa um endosso ou validação da chamada Superliga". "Antes, destaca uma lacuna existente no quadro de pré-autorizações da UEFA, um aspeto técnico reconhecido e já resolvido em junho de 2022. A UEFA está confiante na robustez das suas novas regras e, especificamente, que cumprem todas as leis europeias relevantes", informou o organismo, confiando que "a pirâmide do futebol europeu, baseada na solidariedade, que os adeptos e todas as partes interessadas declararam ser o seu modelo insubstituível, vai ser salvaguardada contra a ameaça de ruturas pelas leis europeias e nacionais".
Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, reagiu com muita ironia."Vi na imprensa inglesa que os adeptos estão a chamar à competição liga zombie. Eles podem criar o que quiserem. Espero que comecem, assim que consigam, uma grande competição só com dois clubes. Assisti à dita apresentação da A22 Sports Management e foi difícil decidir se devia ficar chocado ou divertido com o espetáculo. Porém, não vamos tentar impedi-los", garantiu.
A FIFA , por sua vez, disse que vai analisar a decisão judicial com a UEFA, com as restantes confederações e federações-membro, mas defendeu mérito desportivo, lembrando "a estrutura hierárquica da modalidade".
Além da UEFA, ouviram-se muitas vozes contra, como a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que pela voz de Fernando Gomes reiterou que a Superliga é uma "péssima ideia para o futebol, pois viola todos os princípios do mérito desportivo", e que por isso "apoia de forma firme o modelo desportivo europeu". Também a Liga espanhola criticou "o modelo egoísta e elitista" da Superliga", tal como a Liga inglesa - "uma competição separatista, que rompe a ligação entre o futebol nacional e o europeu". A Liga francesa e a italiana também se opuseram.
Igualmente importante, clubes como o Manchester United, Bayern Munique, Atlético Madrid, PSG, Borussia Dortmund, Inter Milão, AS Roma, Sevilha, entre outros, já anunciaram não ter intenção de integrar a nova competição. Tal como o Benfica - "a Superliga Europeia continua a não ser uma prioridade ou alternativa" -, o FC Porto - "a decisão não pode servir para desunir a família do futebol [...] respeitando a tradição europeia do acesso às competições ter apenas em consideração o mérito desportivo" e o Sp. Braga. Já o Sporting defendeu que no seguimento da decisão do Tribunal da UE, "defenderá sempre a existência de ligas domésticas e um modelo de competições europeias democrático, alicerçado em critérios de transparência e meritocracia".
Já Real Madrid e Barcelona, dois dos grandes defensores da ideia inicial, mostraram-se satisfeitos com a decisão do Tribunal da UE. "A partir de hoje, os clubes serão donos do seu destino. A liberdade dos adeptos e a liberdade do futebol triunfaram na Europa", disse Florentino Pérez, líder do Real Madrid. "Como uma das entidades impulsionadoras da Superliga, o Barcelona considera que a sentença abre a porta a uma nova competição de futebol de alto nível na Europa, ao manifestar-se contra os monopólios no mundo do futebol", reagiu o clube catalão. O Nápoles juntou-se aos dois colossos espanhóis e diz estar disponível para dialogar.
A Juventus, também uma das promotoras do projeto inicial, manteve-se em silêncio. A única reação surgiu num tweet misterioso do ex-presidente Andrea Agnelli, com um excerto da canção I Want to Run, dos U2.
nuno.fernandes@dn.pt