Superestrela da televisão religiosa morre aos 92 anos

Mary Angelica fundou a maior estação de TV da Igreja Católica nos EUA na garagem de um convento. Cultivou ódios e paixões, mas temia a fama. Esta é a sua história
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Com apenas 180 euros e uma garagem, Mary Angelica deu um passo histórico: fundou a maior estação de televisão da Igreja Católica nos Estados Unidos, a Eternal Word Television Network (EWTN). Até hoje, foi a única mulher a liderar um canal de televisão por cabo durante 20 anos. A influente freira da ordem franciscana, empresária e superestrela no mundo dos media religiosos, morreu neste domingo, aos 92 anos, vítima de complicações provocadas por acidentes vasculares cerebrais (AVC).

"A madre foi bem-sucedida numa missão que nem os bispos da nação conseguiram cumprir. Fundou e fez crescer uma estação que apelava a todos os católicos, que percebia as suas necessidades e alimentava os seus espíritos", frisou, em comunicado, o arcebispo Charles Chaput, membro dos quadros do canal desde 1995.

Mary Angelica fundou o EWTN em 1981, num estúdio improvisado na garagem de um convento, com 200 dólares (180 euros) e apenas um anfitrião: ela própria. Quando falou com o banco sobre o projeto, disseram-lhe que era "maluca". "Disse-lhes: "Têm razão. Sou maluca." Mas fi-lo na mesma." Afastou-se do cargo em 2001, depois de sofrer uma série de AVC. Nessa altura, já era um fenómeno: o seu programa de aconselhamento e comentário, Mother Angelica Live, chegava a mais de cem milhões de casas nos EUA, América do Sul, África e Europa. Não foi por acaso que a revista Time a descreveu, em 1995, como "uma improvável superestrela da televisão religiosa e, indiscutivelmente, a católica mais influente da América".

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No seu talk show, fazia de tudo: respondia às perguntas dos espectadores, comentava as novas políticas do Vaticano, criticava as tendências liberais da sua religião e... fazia piadas sobre freiras. Melhor ainda: não tinha guião. "Eu não me preparo, queridos. Se Deus não tem nada para dizer, então já somos dois", admitiu, numa entrevista. Fora do ecrã, corria o país para dar palestras a jovens sobre sexualidade, e a bispos sobre teologia.

Achava "fenomenais" os encontros com a imprensa e, num deles, confessou querer sentar-se à conversa com Oprah Winfrey. Mas nem sempre se sentia confortável com a fama. "Tenho medo do sucesso. Pode tornar-se uma doença. Rezo sobre isso todos os dias." Foi a sua popularidade, no entanto, que a tornou tão rentável. Basta olhar para 2013, ano em que o EWTN registou lucros de 41,1 milhões de euros, 40 dos quais vindos de donativos. "Coloquem-me entre a conta do gás e a da eletricidade. Não consigo gerir isto só com o amor de Deus", brincava a freira franciscana, que no final do seu segmento apelava ao contributo dos espectadores. E os resultados estão à vista: o EWTN, que começou com cerca de 20 funcionários, tem hoje quase 400 e emite, 24 horas por dia, para mais de 264 milhões de casas em 145 países. A estação abrange, ainda, operações de rádio e de imprensa - inclui o jornal The National Catholic Register e a Catholic News Agency.

Conhecida pela sua franqueza, a madre Angelica cultivou, ao longo dos anos, tantos admiradores como inimigos. Aliás, várias vezes apelidou de "anticatólicos e impiedosos" os comportamentos de membros liberais da Igreja. "Estou tão farta de vocês", chegou a dizer, numa emissão. Não obstante, o seu trabalho sempre foi reconhecido ao mais alto nível. Em 2009, o Papa Bento XVI (seu fã assumido) entregou-lhe a Cruz de Honra, o prémio mais prestigiante para a comunidade religiosa.

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Mary Angelica nasceu a 20 de abril de 1923, no Ohio, com o nome de Rita Antoinette Rizzo. Filha única, foi abandonada pelo pai quando tinha apenas 5 anos. Cresceu com problemas de estômago e aos 20 anos, quando alegou ter sido curada por um padre católico, decidiu seguir a vida religiosa. No convento, escrevia textos e gravava cassetes para divulgar o catolicismo entre os seus conhecidos. Acabaram por lhe oferecer um programa de meia hora num canal cristão. "Entrei, era apenas um pequeno estúdio, e lembro-me de pensar que não é preciso muito para chegar às massas. Fiquei ali em pé e disse "Senhor, tenho de arranjar um destes"", recordou, numa entrevista ao The New York Times, em 1989. Assim foi.

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