Naquela manhã de 27 de Agosto de 1999, Álvaro saiu de casa meia-hora mais cedo que o habitual. Foi dar de comer ao gado e pôs-se a caminho. Era homem de poucas palavras. A mulher deduziu que teria ido a Vila Verde de Ficalho, em Serpa. Passaram-se horas a fio e Álvaro não aparecia. Já de noite, a família percebeu que algo acontecera. Na tarde do dia seguinte, chegava a notícia do seu suicídio..Já lá vão seis anos e a família ainda não encontra justificação para que "um homem cheio de saúde, com uma posição estável e rodeado dos seus", diz a viúva, tivesse decidido pôr termo à vida, enforcando-se numa das árvores mais altas da serra. Álvaro tinha 68 anos e era um agricultor dedicado, conhecido entre os amigos por ser "muito sério e leal". A sua mulher tenta consolar-se, dizendo que "os grandes cérebros do mundo têm tendências suicidas"..Mas o caso de Álvaro é apenas um exemplo do triste fenómeno do suicídio que atravessa o Baixo Alentejo, onde a taxa de mortalidade atinge 24 em cada cem mil habitantes, com especial incidência entre os idosos do sexo masculino..Ainda hoje os especialistas não conseguem perceber na plenitude o que leva alguém de idade já avançada e perto do fim a ter tanta pressa. Mas paredes-meias com o Baixo Alentejo está uma Andaluzia com uma das mais baixas taxas de suicídio da Europa que pode ser uma ajuda preciosa para a compreensão do problema..Do lado de cá, o canto alentejano arrasta-se pela planície, numa espécie de prece melancólica, com tons escuros. Do outro lado da raia, a exuberância das sevilhanas, cheias de cor, que traduzem uma invejável alegria de viver. Este paradoxo é citado pelo especialista Carlos Brás Saraiva, que ontem cedeu a presidência da Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS) a Bessa Peixoto, na sequência do V Simpósio da SPS que teve lugar em Portalegre, onde foi debatida a depressão no idoso.."Apesar de estarem tão próximos, há aqui uma clara diferença de personalidades entre alentejanos e andaluzes, que chega a ser perturbadora", refere Brás Saraiva, para quem a própria "baixa religiosidade desta zona do país" também pode explicar a elevada taxa de suicídio no distrito de Beja..desertificação. Depois, vem a desertificação, o isolamento, a pobreza e a falta de sentido para a vida. Questões que a SPS quer combater, alertando ser hoje imperioso dar prioridade às estratégias de prevenção, através da criação de programas de segurança social, que consigam extinguir as manchas de pobreza, a par de incentivos à aquisição cultural, cursos de ginástica, natação e música..Apostas que a Câmara de Odemira já se viu forçada a fazer. É neste concelho do Litoral Alentejano que reside a maior taxa de suicídios do mundo, com um rácio de 61 mortes por cada cem mil habitantes, sendo que no espaço de 14 anos, 239 pessoas puseram termo à vida, optando, sobretudo, pelo enforcamento - os especialistas justificam que é a forma de morrer de pé..Para tentar minimizar a tendência num concelho de acentuado envelhecimento e com uma população dispersa, a autarquia decidiu investir no programa "Viver Activo", procurando fomentar o exercício físico entre as idades superiores aos 60 anos, numa campanha virada para a vida saudável, que contempla passeios a pé e jogos tradicionais, entre outras actividades. .Por outro lado, o município quer recuperar as escolas abandonadas, que permitam acolher idosos durante o dia, prevenindo eventuais riscos depressivos. Vai ser preciso esperar algum tempo para saber se o investimento feito pela autarquia apresenta resultados positivos..Porto regista menos mortes.O Alto Alentejo não está muito longe do Baixo em matéria de suicídios, sendo a segunda região do País onde mais gente mete termo à vida, atingindo um rácio de 18 mortos por cada cem mil habitantes, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Segue-se o Algarve, a Lezíria do Tejo e o Oeste, com 14,4, 14 e 13,2, respectivamente. O Grande Porto é a região onde se cometem menos suicídios (0,5). O Norte apresenta taxas baixas, sendo no Alto Trás-os-Montes onde número é maior, com 3,2. Lisboa chega aos 7,5, Açores tem seis mortes por cem mil habitantes, e a Madeira três.