Um filho de agricultores de morangos que durante o inverno morava junto à escola devido à neve contra dois filhos de famílias do regime. Ou, dito de outra forma: o braço direito de longa data de Shinzo Abe, Yoshihide Suga, vai enfrentar o popular aliado que se tornou adversário de Abe Shigeru Ishiba e o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Fumio Kishida. Eis os candidatos à sucessão do atual primeiro-ministro, que aos 65 anos abdica devido a uma inflamação crónica nos intestinos, colite ulcerosa..O Partido Liberal Democrático (PLD) anunciou que o novo líder e por inerência futuro primeiro-ministro vai ser eleito no dia 14. A comunicação, na quarta-feira, deu-se quando os três candidatos já tinham dado início à corrida..Ficou estabelecido pelo conselho geral do partido que, devido à urgência da escolha, com o novo líder a tomar posse no dia 17 após aprovação no parlamento japonês, a Dieta, os moldes da eleição serão diferentes. As regras de votação de emergência incluem um voto por cada membro parlamentar nas duas câmaras do PLD (394) e três votos por cada secção de província do PLD (141), o que dá um total de 535 votos. O candidato vencedor precisa de obter a maioria dos votos, ou seja, 268..Ficou também decidido que o mandato do novo líder é de apenas um ano, um mês antes de terminar a legislatura, em outubro de 2021, pelo que na prática o futuro chefe estará a dirigir um executivo de gestão. E é isso mesmo o que pretende fazer Yoshihide Suga, o chefe de gabinete e porta-voz do governo, braço-direito de Abe desde a primeira hora em que este regressou à chefia do governo, em 2012..Suga só se perde por doces.Depois de no sábado ter anunciado num blogue a sua disponibilidade para avançar, Yoshihide Suga, que não faz parte de fação alguma, recebeu rapidamente apoios das principais alas do partido, como é o caso da fação do secretário-geral, Toshihiro Nikai, pelo que rapidamente se tornou no candidato favorito..Suga, de 71 anos, afirmou repetidamente antes da demissão de Abe que não estava interessado no mais alto cargo executivo, após quase oito anos a trabalhar como conselheiro de Abe, coordenador de ministérios e agências, bem como ser o principal porta-voz do governo. Tido como pragmático, trabalhador (devido às longas jornadas de trabalho dorme na residência da Dieta) e disciplinado (todos os dias anda durante 40 minutos, faz cem abdominais de manhã e outros tantos à noite), reconhece ter uma perdição: os doces, como admitiu ao Nikkei Asian Review..Natural da província de Akita, no noroeste do país, é o filho mais velho de agricultores de morangos. "Os meus pais eram trabalhadores árduos. Regressavam a casa dos campos por volta da altura em que me levantava", recordou àquela publicação..Durante os estudos secundários, no inverno, vivia numa residência perto da escola, devido à neve. A chegada da primavera e o recuo da neve são algo que o marcou para a vida. "Este sentimento só pode ser compreendido por pessoas que vivem em regiões cobertas de neve em zonas rurais. A minha paciência foi fomentada pelo campo antes de me aperceber disso", comentou..O seu percurso é raro no PLD, que tem no topo das fileiras dirigentes cujos familiares já desempenharam cargos políticos, caso do próprio Shinzo Abe, ou dos adversários Ishiba e Kishida. Após ter concluído o liceu mudou-se para Tóquio, tendo trabalhado durante dois anos numa fábrica. Depois trabalhou em vários part-times enquanto se formou como bacharel em Direito..Em 1975, aos 26 anos, sentiu que era na política o seu futuro, mas conhecia ninguém na área, pelo que foi ao centro de orientação profissional da universidade pedir contactos de políticos que se tivessem formado ali. Acabou por ser contratado como secretário de um deputado..Uma dúzia de anos depois foi eleito membro da assembleia municipal de Yokohama, nos arredores de Tóquio, tendo assumido a sua origem rural na campanha, o que os adversários achavam suicida, mas que acabou por vingar..Em 1996 foi eleito deputado na Câmara Baixa da Dieta, tendo sido o político que introduziu nas campanhas japonesas os discursos junto das estações de transportes..O papel de porta-voz reforçou uma imagem severa e séria, mas também anódina, de quem vai para as conferências de imprensa ler notas. Mas no ano passado, quando anunciou o nome da nova era imperial, Reiwa, tornou-se parte de uma imagem viral que lhe valeu ser apelidado de "Tio Reiwa"..Os desafios de Suga.Espera-se que os pilares da política económica e fiscal do governo, cunhada de Abenomics, a flexibilização monetária maciça e o estímulo fiscal sejam centrais para Suga..Por agora, o favorito afirma que a resposta ao coronavírus é a prioridade máxima. É tido como muito provável que o governo prossiga uma política fiscal que inclua pacotes de estímulos até que a pandemia seja controlada..Por outro lado, o ainda porta-voz do governo quer apostar no turismo para revitalizar as regiões mais duramente atingidas do Japão, que já antes da pandemia sofriam com uma contração económica e o envelhecimento da população..O Japão acolheu 31,8 milhões de turistas estrangeiros no ano passado. Suga espera elevar o número para 60 milhões de pessoas no futuro..Inclui-se nesse esforço acolher os adiados Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021. Suga disse que o Japão faria "o que fosse preciso" para acolher o evento no próximo ano..Outra prioridade para relançar a economia e reforçar os laços com o resto da Ásia passam pelo aumento das exportações agrícolas. O Japão planeia quintuplicar o atual valor das exportações de produtos agrícolas em dez anos, atingindo os 40 mil milhões de euros em 2030..Para acompanhar o aumento da produção terá de haver trabalhadores. Suga, que já conseguira fazer aprovar um programa de vistos que abriu as portas aos trabalhadores estrangeiros não qualificados, numa mudança em relação à política anterior, que se centrava em programas de estágio em tarefas de baixa remuneração, quer equiparar salários ao mesmo nível que os dos japoneses e chamar trabalhadores qualificados..Os analistas creem que Suga poderá promover a desregulamentação como estratégia de crescimento, dando como exemplo a redução das tarifas dos telemóveis..Na política externa, onde está em desvantagem para com os adversários, o chefe de gabinete quer manter a tónica na aliança com os EUA. Não por acaso tem uma fotografia de Donald Trump no seu gabinete..O preferido do povo.O ex-ministro da Defesa Shigeru Ishiba, de 63 anos, é claramente o favorito do povo, como assinalam as sondagens, mas enfrenta para já resistências internas que não lhe permitem vencer..Em 1993, desfiliou-se do PLD. Primeiro tornou-se independente e depois juntou-se a outro partido antes de regressar. Muitos companheiros de partido, 27 anos depois, não perdoam esse ziguezague..Tal como não aceitam que se tenha tornado num crítico de Abe. Em 2018 concorreu à liderança do partido. Foi derrotado de forma clara, mas marcou terreno e desde então é mencionado como um sucessor potencial..Ishiba, antigo banqueiro, é deputado desde os 29 anos e tido como um eficaz tribuno, materializando a herança de uma família de políticos..Além de ministro da Defesa, e de diretor da agência de Defesa do Japão, foi ministro da Agricultura e Pescas..Com o primeiro-ministro cessante partilha o desígnio de reforçar o papel das Forças de Autodefesa do país na Constituição..O diplomata.Fumio Kishida, também de 63 anos, tem como cartão-de-visita a alegação de que é o sucessor predileto de Shinzo Abe - algo que o próprio não confirma nem desmente. Descendente de uma família de políticos de Hiroxima, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros que mais tempo esteve no cargo desde o pós-guerra tem uma visão moderada e pacifista, oposta à de Ishiba..Kishida, visto como uma pessoa segura, é o diretor do conselho político do partido e, ainda que não tenha concorrido antes, há anos que demonstra as suas ambições para chegar ao mais alto cargo político. Segundo o entendimento dos analistas, Kishida nunca desafiou a liderança do primeiro-ministro, tendo optado por permanecer no governo ou como um assessor no entendimento de que acabaria por ser apoiado por Abe como seu sucessor. Mas isso não aconteceu, com Abe a dizer que não apoiaria nenhum candidato, tendo justificado que de outra forma influenciaria a corrida. Como ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2012 e 2017, Kishida lidou com a negociação de acordos com a Rússia e a Coreia do Sul. E acompanhou a viagem de Barack Obama, em 2016, a Hiroxima, a primeira de um presidente dos EUA.