Subscritor do impeachment de Dilma garante: Bolsonaro é "caso de interdição"
Miguel Reale Junior, 75 anos, professor titular de direito penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ministro da justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso e em destaque na política brasileira desde que em 2016 se tornou um dos subscritores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, chama Jair Bolsonaro de "alucinado nas trevas" e de "BolsoNero" e fala, ressalvando que não é médico, "em caso de interdição, mais do que em caso de impeachment".
Em entrevista ao DN no contexto da escalada de declarações e atitudes do presidente da República censuradas até por aliados, Reale Júnior destaca aquela que mais ecoou na imprensa e na opinião pública: em resposta a críticas do bastonário da Ordem dos Advogados Felipe Santa Cruz, o presidente disse saber como o pai do bastonário, um desaparecido da ditadura militar, morreu. Insinuou Bolsonaro que teria sido morto por membros de organizações de esquerda e não pelo regime, contrariando todos os dados históricos e científicos sobre o caso.
Que comentário lhe merece a escalada de declarações do presidente da República?
Olhe, para mim não são surpresa. Estava aqui a folhear um artigo meu de maio de 2018 em que falava no regresso da ditadura pelo voto, numa altura em que ele já andava lá por cima nas sondagens para as eleições do ano passado. Afinal, estamos a falar de um saudosista da ditadura, de alguém com ignorância profunda desse momento da história do Brasil, que havia dito que o maior erro do regime foi torturar e não matar, que sublinhou que [o ditador chileno augusto] Pinochet devia ter matado mais, para quem [o antigo presidente brasileiro] Fernando Henrique Cardoso e outros 50 mil deveriam ter sido fuzilados, e que, a propósito do desaparecimento de corpos no Araguaia [local na região amazónica onde as forças armadas brasileiras massacraram 80 guerrilheiros comunistas em 1973 e 1974], tinha uma placa no gabinete de deputado dele a dizer 'desaparecidos do Araguaia? Quem procura osso é cachorro'. Ora, uma pessoa dessas que fala coisas que dão até um nó na garganta das pessoas não surpreende que diga o que disse ao bastonário da Ordem dos Advogados. Logo nas horas seguintes, aliás, disse, a propósito da tragédia numa prisão no Pará em que morreram 58 presos, que a imprensa devia pedir às vítimas desses presos e não a ele para comentar. Ou seja, tudo nele é ódio, sangue, vingança. Então, o habitat dele é este, o habitat das trevas, da morte, da tortura, da perseguição. É o universo dele, um universo muito pobre e muito restrito.
Se Bolsonaro permanecer nesta escalada, há motivo de impeachment?
Se ele continuar neste processo de alucinação, se continuar alucinado nas trevas, é caso para interdição, não para impeachment, já o disse a uma rádio [a Guaíba] mais como expressão do que como realidade médica, porque não sou médico. A alucinação dele, repare, deriva de chamarem de "mito" uma pessoa sem estrutura intelectual, cultural e política. Nem quem tivesse essa estrutura, essa qualificação, aguentaria nos ombros ser chamado de mito, imagine-se quem não tem lastro. E ele acreditou que era um mito, por isso diz o que quer. Num artigo que vou publicar no jornal O Estado de S. Paulo no próximo sábado até o chamo de "BolsoNero".
Essa interdição teria pernas para andar?
Neste momento, em rigor, penso que ele está ainda inserido na figura da falta de decoro e da ordem moral.
Sabendo que derivou na eleição de Bolsonaro, arrepende-se de ter redigido o texto do impeachment de Dilma Rousseff, ao lado do falecido jurista Hélio Bicudo e de Janaína Paschoal, hoje deputada estadual pelo partido do presidente?
Não me arrependo, são coisas diferentes. Se não tivesse havido impeachment o PT teria levado a economia do país para o "beleléu". A entrada do Michel [Temer] a única coisa de positiva que teve foi a capacidade de segurar a economia, impedir a crise de se aprofundar, depois, claro, envolveu-se em tantos casos de corrupção que do ponto de vista político foi um desastre, perdeu totalmente a respeitabilidade. Se mantivesse essa respeitabilidade, teria havido espaço para uma candidatura de centro ganhadora em 2018. Eu ainda tentei que cinco candidatos - a Marina Silva, que foi quem mais resistiu à ideia, o Henrique Meirelles, o Álvaro Dias, o João Amoêdo e o Geraldo Alckmin - se unissem em torno de uma candidatura apenas, para evitar a polarização.
Mesmo combatendo historicamente o PT, acha que teria sido melhor a eleição de Fernando Haddad em vez da de Bolsonaro?
Não sei, não sei, porque o PT continua com radicalismos, com ranço, note que eles continuam a apoiar o Nicolás Maduro, na Venezuela...