'Still the same' Maureen. A 'Miss America' revisitada na Cinemateca

O'Hara, "rainha do <em>technicolor</em>", morreu em outubro aos 95 anos. No dia em que começa a retrospetiva da sua obra, lembramos como John Ford a "casou" para sempre com John Wayne
Publicado a
Atualizado a

"Foram tantas as vezes em que li e ouvi acerca da "sorte de Ford" e daquela cena fabulosa em que, depois de me casar, desço os degraus da igreja e o meu véu faz uma espiral no céu. E toda a gente diz: "Oh! a sorte de Ford." Tretas. Não era a sorte de Ford, eram três ventoinhas postas por John Ford e eu tive de subir e descer aqueles degraus várias vezes, enquanto ele arranjava forma de as ventoinhas fazerem exatamente aquilo."

A cena é de O Vale Era Verde (1941). Maureen O"Hara, que a descrevia a Peter Bogdanovich no documentário Directed By John Ford (1971), falava quase sempre num tom firme e de desafio. Como quem dissesse: "Aqui me queriam, aqui me têm." A atriz nascida em Dublin, Irlanda, morreu aos 95 anos no Idaho, EUA, sua segunda terra, a 25 de outubro de 2015. Era a "rainha do technicolor". No ano anterior recebera o único Óscar da sua carreira: o honorário.

O eterno casal que Ford juntou

No ciclo que este mês lhe dedica, e hoje começa, a Cinemateca portuguesa chama-lhe A Irlandesa Tranquila. Não é por acaso. Tranquilo era o homem do filme com quem O"Hara, numa noite de um vento terrível, protagonizou um dos beijos mais icónicos do cinema americano, seguido de um não menos icónico estalo. O homem era John Wayne, "Duke" como era tratado pelos seus, o filme é O Homem Tranquilo (1952) de John Ford (hoje e quarta-feira). O'Hara dizia-se a "única atriz principal grande e forte o suficiente para Wayne". Basta olhar para eles.

Foi Ford, americano com ascendência irlandesa - que deixou a sua apresentação gravada com um "My name is John Ford and I make westerns" -, quem fez dos dois um casal eterno. O Homem Tranquilo é o filme em que Wayne intempestivamente leva de rastos O'Hara por montes e vales, sabe-se lá ao longo de que distância. "John Ford era o maior dos diabos. Pôs tanto estrume no campo quanto pôde, e depois certificou--se de que eu estava coberta daquilo no final do dia", disse a atriz numa entrevista ao The Independent, em 2004. Afirmou que as obras que mais a orgulhavam eram as cinco em que Ford a filmou. Estão entre as 15 que compõem o ciclo da Cinemateca.

[youtube:3srATpDcoNU]

Maureen acreditava que, em O Homem Tranquilo, Ford estaria a viver "a sua fantasia" através dos seus dois atores. "Ele era Sean [Wayne] e eu era a sua mulher ideal." O seu nome era Mary Kate. O Homem Tranquilo pode ou não ser essa "fantasia", mas é o filme menos sombrio de Wayne e O'Hara. Um filme sem a glory in defeat de tantos dos filmes do cineasta. A vitória na derrota: a dos heróis sozinhos no deserto que, maiores do que a vida, tantas vezes se redimiram no final. E se existe ator que mais encarnou essa personagem nos filmes de Ford, foi John Wayne.

[youtube:DgMvn0B_WGc]

Em Rio Grande, de 1950 - último filme da trilogia de Ford sobre a cavalaria e que será projetado na Cinemateca nos dias 25 e 29 -, ele é Kirby Yorke, tenente-coronel que trocou o filho e a mulher pela vida militar. O'Hara é essa mulher, Kathleen, que depois de quinze anos sem ver o marido aparece num posto da cavalaria americana onde Yorke está. Vem tentar tirar dali o seu filho, que ali está como recruta. "Still the same Kathleen", diz-lhe o tenente-coronel, que a acusa de acreditar que há "privilégios especiais para os que nasceram em berços especiais". "Still the same Kirby", devolve-lhe ela, evocando a guerra.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt